segunda-feira, 31 de maio de 2010

Quem mandou a Ford embora, afinal?

Uma das coisas que mais tenho ouvido nestes anos de militância é a acusação de que o Governo Olívio "mandou a Ford embora", em 1999.

Pouco tempo atrás, aliás, circulou novamente na mídia o assunto relativo ao terreno èm Guaíba, destinado à multinacional americana por Antônio Britto. Nessa ocasião, o debate era acerca da impossibilidade de se fazer industrialização no local, por se tratar de área remanescente de quilombos. E, mais uma vez, voltou o coro de que "Olívio mandou a Ford embora".

Eu sempre disse que não, que o Governo do PT se esforçou o quanto pode para manter aqui o investimento, mas houve articulações fortíssimas do FHC para que se mudasse para a Bahia.

O que quase ninguém sabia, eu inclusive, é que a Ford havia embolsado, e não devolveu, umas boas parcelas de milhões de reais que o Britto havia adiantado. E que o Governo do PT havia entrado na Justiça alegando a quebra de contrato, e pedindo a devolução do valor apropriado indevidamente pela montadora.

Pois o Sul 21 nos esclarece que houve uma sentença judicial, transitada em julgado, que condena a Ford a indenizar o Estado do Rio Grande do Sul, pelo rompimento unilateral daquele contrato, com as devidas obrigações de pagar uma boa grana (uns 200 milhões de reais). Pena que esse dinheiro vai entrar ainda no Governo da Yeda, então há o risco de que seja torrado em bobagens.

Então, dá para perguntar: e agora, quem mandou a Ford embora afinal?

Para ter maiores detalhes da decisão, inclusive com o dispositivo da sentença, visite o Sul 21;

E só para não deixar passar em branco, o texto da reportagem lembra que o principal articulador da ida da Ford para a Bahia foi Pedro Parente, pessoa que depois de deixar o Ministério do FHC foi por sete anos Vice-Presidente Executivo da RBS, grupo que controla a mídia gaúcha (Zero Hora, Rádio Gaúcha, RBS TV. etc.), como se pode conferir aqui.

Talvez esse seja o motivo pelo qual o monopólio midiático gaúcho não tenha mencionado a decisão judicial, de seis meses atrás (dezembro de 2009.

O Sul 21, só por esse "furo", já justificou o primeiro mês de vida. Parabéns.
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quinta-feira, 27 de maio de 2010

A prática da tolerância

Tolerância é uma palavra importante.

Importante até demais, mas complicada de ser entendida e praticada, porque está sempre cheio de gente dizendo que devemos exercitar a tolerância, e a vida nos confirma isso seguidamente. Mas também ouvimos o tempo todo que não podemos tolerar isto ou aquilo. E de novo, a vida nos comprova isso, a todo momento.

Por exemplo, devemos ser tolerantes quanto à diversidade entre as pessoas. Nesse sentido, estou tranquilo, porque sempre fui bem tolerante. Não tenho qualquer preconceito quanto à origem, sexo, orientação sexual, etc.

Então, quanto a isso, sou completamente tolerante.

Peraí ... estou mentindo. Sinceramente, não é bem assim. Não tolero pessoas que defendem a ditadura e a tortura, só para dar dois exemplos rápidos. Com esses tipos, não perco tempo com argumentos, e parto para a grosseria bem rapidinho. Tolerância zero.

Báh, sou bem intolerante, mesmo.

Mas, por outro lado, sou tolerante a falhas praticadas pelas pessoas que eu gosto, e até mesmo por aquelas contra as quais não tenho nada contra. Errar é humano, perdoar é divino. Tolerância dez.

É, sou tolerante ...

Mas não tolero que as pessoas que detesto cometam falhas. Isso me revolta.

Bueno, então sou intolerante.

Uma casa de tolerância, por exemplo, é a casa de pessoas bondosas e não-preconceituosas, ou aquela em que só não vale dedo no olho e puxão no cabelo?

Se tem uma coisa que não tolero, mesmo, é que pessoas absolutamente corruptas andem por aí, de lombo liso.

Sobre essa intolerância específica, eu até ficava pensando no que fazer se alguma pessoa desse tipo me oferecesse publicamente a mão para um aperto. Afinal, sou uma "autoridade", e carrego a imagem do cargo comigo.

Não apertaria, como bom intolerante, ou apertaria, sendo educado e tolerante como a mãe me ensinou, e a Academia de Polícia (relembrando as aulas de "etiqueta") recomenda? Ô dúvida cruel.

E aconteceu, um dia desses, de estar em um evento, e um vigarista local, pessoa que já me sacaneou, inclusive, vir cumprimentando todo mundo até chegar a mim. Eu vacilei, mas vendo aquela mão estendida, e todo mundo olhando, apertei a mão do safado. Não sorri, nem falei nada, só apertei a mão. Ali, me senti vitoriosamente tolerante.

Mas reconheço que imediatamente contei os dedos e as unhas, para ver se ele não tinha me roubado um pedaço. Depois, disfarcei e fui no banheiro passar álcool gel na mão. Intolerância discreta, mas intolerância pura ...

Uma vez meu psicólogo perguntou se eu era tolerante, e eu respondi na tampa que sim, que não posso ter preconceitos, afinal sou marxista, e isso me impede de ser intolerante ...

Mas ele explicou que não era a isso que se referia, e sim tolerância a frustrações, a que meus desejos não se realizassem, as coisas não ocorressem da exata forma que eu esperava ... e aí fiquei confuso.

Pensando bem, acho que psicologicamente falando, tenho pouca tolerância ... mas em compensação sou muito “resiliente”. Sofro, mas agüento as porradas.

E mesmo que a pergunta se referisse à ótica da militância, como pensei inicialmente, sou tolerante ou não? Se a Revolução fosse hoje, e a escolha fosse minha, o que eu faria com a burguesia, por exemplo? Seria tolerante, colocaria numa creche, para reeducação? Ou seria intolerante, e passava todo mundo no fio?

Na minha profissão, não posso ser tolerante sobre nada de criminoso que chegue ao meu conhecimento. A tolerância, nesse caso, seria condescendência criminosa ou prevaricação, e procuro não ser condescendente, e nem prevaricar.

Assim, nesses onze anos como Delegado de Polícia, minha prática é não tolerar nada. Aperto o botão “F”, e investigo, indicio se for devido, ou denuncio quando estiver fora da minha atribuição. Mas nesse caso, a solução é fácil, pois trata-se intolerância fundamentada no positivismo.

Já como a pessoa que empresta este corpo ao profissional, aprendi na marra que não se pode levar tudo à ponta de faca, sempre. É necessário um pouco de jogo de cintura, muitas e muitas vezes.

Humm .. tolerância parece ser mais mais que uma palavra. É uma complicação ... então, fico pensando nisso, procurando um critério.

Devo ser absolutamente tolerante ou totalmente intolerante? Mais (ou menos) tolerante ou mais (ou menos) intolerante? Ou mais-ou-menos tolerante ou mais-ou-menos intolerante?

Não sei se foi Buda ou Confúcio que disse que a sabedoria está no caminho do meio. Mas achar o meio é que são elas. Tenho uma tendência irresistível de ir logo para as pontas ...

(In)Tolerar ou não, eis a questão. E (in)tolerar o quê, quem, como, quando, onde, porquê?

Qual a medida? E existe medida?

Não há critérios, e não há medidas. Cada caso é um caso, a ser solucionado pelo nosso sistema de idéias. Por isso, acho uma tremenda falcatrua quando alguém afirma "sou tolerante" ou "eu não tolero".

Mas é legal divagar. Estar cheio, ou inventar dúvidas.

Ruim, mesmo, é se estivesse lotado de mini-certezas, como uns e outros que encontro por aí. ...
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domingo, 23 de maio de 2010

Gentileza gera gentileza

Hoje lembrei do Profeta Gentileza, figura notável que por vinte anos pregou, no Rio de Janeiro, que "Gentileza Gera Gentileza". Acho que a essência da sua mensagem é que "Deus é Gentileza".

Reproduzo abaixo um de seus textos-murais, extraído do Livro Univvverrsso Gentileza, do pesquisador carioca Leonardo Guelman:


"A natureza não vende terra,
a natureza não cobra pra dar alimentação para nós.
Esse dia lindo,
essa luz que está em cima de nós, a nossa vida,
ou seja, vem do mundo, é de graça,
é Deus nosso Pai que dá.

Agora o capeta do homem que é o capitalismo, é que vende tudo, destrói tudo, destruindo a própria humanidade.
Capeta vem de origem capital. É o vil metal
Faz o diabo, demônio marginal.

Por esse motivo, a humanidade vive mal.
Mal de situação,
mau de maldade,
porque o capitalismo é falsidade,
o pranto de toda a maldade,
raiz de toda a perversidade do mundo.
É o dinheiro.

O dinheiro destrói a mente da humanidade.
O dinheiro coloca a humanidade surdo.
O dinheiro destrói o amor.
O dinheiro cega.
O dinheiro mata.

Todo dia você lê jornal, ouve rádio,
televisão, só vê barbaridade:
é crime, é assalto, é seqüestro, é vício, nudez,
devassidão, fome e guerra.
Vai ver qual é a causa:
capitalismo."

Para conhecer mais, sugiro
http://www.gentileza.net/ e http://www.riocomgentileza.com.br/.

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Esta é uma postagem antiga, que me deu vontade de postar de novo, aqui.


sábado, 22 de maio de 2010

Paraíso ou Inferno

"Um certo homem viveu amorosamente toda sua vida.

Quando morreu, claro, dirigiu-se ao paraíso.

Ao chegar lá, o sistema de controle do paraíso estava com defeito e lhe informaram que seu nome não constava na lista. Ele deveria, portanto, dirigir-se ao inferno.

Bom, inferno vocês já sabem como é que é o inferno.

Qualquer um que chega imediatamente é convidado a entrar.

Alguns dias depois, Lúcifer chegou furioso às portas do paraíso para tomar satisfação com São Pedro.

Olha aqui, isso que vocês estão fazendo é puro terrorismo. Nunca imaginei que vocês fossem capazes de um golpe tão baixo, disse o Demo.

Sem saber o motivo de tanta raiva, São Pedro perguntou, surpreso, do que se tratava.

O Demônio explicou: Vocês mandaram aquele sujeito para o inferno, e ele está fazendo a maior bagunça por lá. Por causa dele, está todo mundo dialogando, se abraçando, um sendo amoroso com o outro.

Olha, aquilo está virando um verdadeiro paraíso.

Porque para aquele homem, estar no paraíso ou no inferno, não fazia a menor diferença.

E quando o meu mestre me contou essa história, completou dizendo: filho, viva tão amorosamente, com tanta simplicidade, que se a colocarem no inferno, qualquer que seja ele e, mesmo que por engano, o Demônio a mandará de volta para o paraíso, porque ele não vai suportar você."

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Recebi o texto acima da minha mulher, Djanira, para me ajudar um pouco nesse momento profissional tumultuado que estou atravessando. A autoria é atribuiída a Roberto Shinyashiki, mas não temos certeza, pois na Internet é comum trocarem os nomes dos autores dos textos.

Considero uma belíssima lição, que mesmo eu, pessoa com dificuldades com a chamada auto-ajuda, já usei em pelo menos dois momentos.

A primeira vez, quando me colocaram no setor de Telepis da Caixa Federal, em 1996, quando voltei de um período liberado para o Sindicato dos Bancários, e era horrível. Fiquei muito deprimido, mas conheci esse texto, e o apliquei, trabalhando alegre, como se ainda estivesse na minha caixa da Agência Paineira. E deu certo. O Diabo me devolveu daquele inferno, pois não durou um mês a aparecer uma proposta, totalmente inesperada, de ser "CC" na Prefeitura de Porto Alegre, a qual mudou o rumo da nossa vida.

Depois, quando numa dessas sacanagens que a Polícia costuma fazer, me mandaram para Dom Pedrito, um município onde a Delegacia não tem condição alguma de funcionar, pela carência de servidores. São quatro policiais civis para fazer tudo, em uma cidade de 40.000 habitantes. A ante-sala do inferno. Mas encarei positivamente a missão, me esforcei muito, e acabei ficando cinco anos por lá. Sem falsa modéstia, fiz um grande serviço e construí muitas amizades. Foi tão positivo que acabei concorrendo a Prefeito pelo PT, fazendo uma votação expressiva para a realidade (3.847 votos) e ajudando a eleger dois vereadores.

E tudo isso porque me comportei da mesma maneira de sempre, mesmo sabendo que, para "eles", a idéia era me colocar em um inferno. Trabalhei motivado, do mesmo jeito de sempre, e deu certo.

Na verdade, o que torna um local desagradável ou não é a nossa postura em relação à dificuldade.

Acho que foi o Camarada Mao que fez aquela metáfora da força externa sobre um corpo ou objeto. Não lembro bem, parece que foi em outra encarnação de tanto tempo que passou desde que li aquilo.

Era era mais ou menos o seguinte: se uma força externa incide sobre um objeto, a transformação que ela provocará dependerá da consistência desse objeto (e da tal de resiliência); se fizermos incidir calor sobre um ovo, em temperatura e tempo adequados, podemos transformá-lo em um pintinho; mas se fizermos incidir essa mesma temperatura em uma pedra, pelo mesmo tempo, não ocorrerá absolutamente nada.

Então, o paraíso ou o inferno profissional depende muito da maneira como reagimos a cada situação. E quanto a isso, eu sou uma rocha.

Djanira, obrigado pela mensagem. Te amo cada vez mais.

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quinta-feira, 13 de maio de 2010

Você gosta de política?

Reproduzo adiante o texto "Você gosta de política", que inaugura a coluna digital "Polis", de Vera Spolidoro, no auspicioso Sul 21, novo meio de comunicação da mídia livre brasileira. Para visitá-lo, clique aqui. Adicione a seus favoritos.

Segue o texto:

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Você Gosta de Política?

"O que é política? É a convivência entre os diferentes. A definição não é minha, é da teórica política alemã Hanna Arendt, que escreveu Origens do Totalitarismo e tantas outras obras que se tornaram clássicas. É baseado na convivência entre os diferentes que Sul 21 nasce, posicionado, mas tolerante; aberto à critica sobre seu posicionamento, mas ousado na busca da informação que contribua para uma sociedade mais justa e igual.

Foi na polis grega – e daí o nome que escolhemos para a coluna - especialmente em Atenas, que surgiu a democracia e o sentido da política como hoje a vivemos. A diferença é que lá, nos anos 500 A.C, a política era uma arte, sinônimo de liberdade, de agir em público. Era na praça da polis o lugar natural do político ateniense.

Hoje muitos se perguntam para que serve a política. Muitos a confundem com a ação de maus políticos, que utilizam seus cargos para tudo, menos para contribuir com a aspiração de todo cidadão, a felicidade. Porque esse é o objetivo da política, o bem comum, a civilidade, a participação.

No entanto, a desconfiança é generalizada. “Não gosto de política”, ou “não entendo de política” são frases recorrentes. Mas atenção! Essa desconfiança é construída. Não apenas no Brasil ela acontece. Nas eleições recentes para o Parlamento do Reino Unido, analistas apontaram um desencanto dos cidadãos britânicos com a classe política. Na Itália, nossa colunista Bruna Peyrot observa alarmada uma abstenção de 35% nas recentes eleições regionais.

Devemos perguntar-nos a quem interessa identificar política com corrupção, sem lembrar dos corruptores. Tal confusão não é gratuita. Promover uma visão de que apenas os políticos são corruptos certamente atende a algum interesse. Basta observar quem mais ataca o mundo político e veremos o que se desenha: a visão de que o mercado tudo regula, inclusive o Estado e suas instituições. A visão de que os técnicos e os consultores resolvem todos os problemas. A visão que a desigualdade é própria da natureza humana.

Cito de novo Hanna Arendt: “A política, assim aprendemos, é algo como uma necessidade imperiosa para a vida humana e, na verdade, tanto para a vida do indivíduo como para a sociedade”. Todas as nossas ações são políticas, queiramos ou não. Não deixemos para os outros exercê-las".

* Vera Spolidoro é Editora-Chefe do jornal Sul 21, veiculado exclusivamente pela Internet, desde 12.05.2010. Para saber mais sobre o novo órgão de comunicação, não deixe de visitar o site.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Militarização da educação pública se expande no RS

Reproduzo adiante texto de autoria de Cleber Dioni Tentardini, publicado no Jornal Extra Classe, do Simpro-RS (ver aqui), que assim como o CEPRS-Sindicato, alerta para o equívoco de apoiarmos as tais Escolas Tiradentes, às custas do erário público.

Para mim (e a maioria dos policiais civis e militares de todo o país), o avanço para a democracia passa pela desmilitarização das polícias militares, e não pela militarização das escolas de ensino médio.

Mas uma justificativa repetida exaustivamente para a criação das tais Escolas Tiradentes seria a intenção de proporcionar estudo de melhor qualidade aos filhos de brigadianos. Isso é confirmado pelo Tenente-Coronel Dal Lago, Diretor da Escola em Porto Alegre, nos últimos parágrafos do texto adiante publicado. Segundo ele, 60% das vagas são destinadas a filhos de PM, e assim sendo, "a função do Tiradentes é assistencialista".

Assim, é bem desgastante manifestar opinião pública contrária a um projeto que beneficiria, supostamente, filhos de colegas policiais.

Só que, por honestidade intelectual, considero necessário me posicionar sobre o assunto. Mesmo que beneficiasse os filhos dos brigadianos (e no fundo acho que é apenas um argumento falacioso para sensibilizar a categoria) a iniciativa é inconstitucional e injusta, já que os filhos de qualquer cidadão devem ter as mesmas oportunidades de ensino, independente da profissão dos pais.

Se a intenção do Governo Estadual fosse beneficiar os brigadianos, poderiam começar pagando a eles um salário digno, similar ao piso nacional de salários, proposto na Emenda Constitucional em trâmite no Senado. Mas isso ninguém defende.

Segue o texto, para as conclusões de cada um.

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Militarização da educação pública se expande no RS

Tiradentes se transforma em uma rede de escolas administradas pela BM com professores estaduais e dinheiro público

"A polêmica na comunidade educacional ganhou fôlego no final do mês passado, quando o Conselho Estadual de Educação (Ceed) aprovou a desativação de uma escola pública em São Gabriel para a Brigada Militar instalar uma unidade do Tiradentes e autorizou o início das aulas. Também foram autorizadas em Ijuí e Santo Ângelo.

Três escolas da BM já estão funcionando no interior: em Santa Maria, desde 2008, em Passo Fundo, 2009, e em Ijuí, aprovada este ano. Há mais sete criadas por decreto do Executivo, mas ainda não estão abertas – Caxias do Sul, Canoas, São Luiz Gonzaga, Pelotas, Rio Grande, Santo Ângelo e São Gabriel, sendo que nesta última foram feitas até as matrículas dos estudantes.

Seu modelo pedagógico é festejado pelas comunidades e prefeituras contempladas com as escolas cuja qualidade do ensino é atestada por bons resultados no Enem. Mas por que há tantas diferenças na qualidade de ensino entre o Tiradentes e outros colégios mantidos pelo Estado?

No edital de convocação para o concurso deste ano – Diário Oficial do Estado, de 15 de janeiro de 2010 – está claro que o acesso não é para todos, ao contrário do que manda a Constituição Federal. Consta que os alunos classificados nos testes de Português e Matemática serão convocados a realizar os exames de saúde e complementares, como exame de urina e eletroencefalograma. Quem estiver apto até aí terá que fazer de 25 a 30 abdominais em um minuto, de 8 a 12 flexões e correr de 1,6 mil metros a 2 mil metros em 12 minutos.

As peculiaridades militares, que limitam o ingresso de qualquer aluno, seja com problemas físicos ou mentais, ou até mesmo de adolescentes que estiverem acima do peso, estão contempladas na legislação estadual – Lei nº 12.349, de 26 de outubro de 2005, que em seu artigo primeiro instituiu o Ensino Médio na BM “de forma preparatória para o ingresso na carreira policial militar”.

A escola prepara, mas não forma PMs, porque um dos requisitos hoje para ser soldado é ter concluído o Ensino Médio. Educadores ressaltam que, ao final do curso, o aluno recebe apenas o diploma de conclusão do Ensino Médio, como qualquer outra escola da rede pública estadual.

Para o professor de Educação da Ufrgs, Fernando Becker, uma escola mantida com recursos públicos não pode se dar ao luxo de selecionar alunos, produzindo exclusão no sistema de ingresso da escola pública. “Uma escola que pretende ser exemplar, top de linha, deveria esmerar-se em criar condições didáticas e pedagógicas para incluir progressivamente todos os alunos que nela tentam ingressar. É muito fácil dar aula para alunos selecionados, mediante testes, e lograr objetivos educacionais nobres com tais alunos”, afirma. Becker entende que o grande desafio da docência é dar aula para alunos que enfrentam todo tipo de problemas de aprendizagem e lograr nobres objetivos com esses alunos.

Outra questão levantada é quanto aos recursos humanos e financeiros. O colégio de Porto Alegre, denominado hoje Centro de Ensino Médio Tiradentes, está vinculado à Secretaria de Segurança, mas os professores são cedidos pela Secretaria de Educação (SE), que todos os anos é bombardeada de críticas devido à crônica falta de educadores nas escolas estaduais. Já o orçamento, segundo o diretor da escola em Porto Alegre, tenente-coronel Andreis Dal Lago, é todo da BM. O diretor de departamento de ensino da BM, coronel Sérgio Pastl, estima que cada nova escola custa de R$ 500 mil a R$ 1 milhão, dependendo da necessidade de construção de prédios e da área que será ocupada.


O que diz a legislação

Alunos em formação na parte da manhã, antes do início das aulas
A Constituição Federal de 1988 elegeu como um dos princípios para o ensino a igualdade de condições de acesso (...) “não podendo excluir nenhuma pessoa em razão de sua origem, raça, sexo, cor, idade, deficiência ou ausência dela”. Também fala como princípio constitucional a “gestão democrática do ensino público” e como dever do Estado a “progressiva universalização do ensino médio gratuito e o atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino”.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação diz que “o Poder Público adotará, como alternativa preferencial, a ampliação do atendimento aos educandos com necessidades especiais na própria rede pública regular de ensino”.


Fechamento de escolas preocupa

Em votação polêmica, os membros do Ceed aprovaram por maioria a unidade em Ijuí – nove votos a favor, dois contrários e quatro abstenções. Mas o assunto ainda promete render muitas discussões. Simultaneamente à abertura dos colégios da BM, ocorreu o fechamento de 179 escolas estaduais e a municipalização de outras 46, em menos de quatro anos.

O conselheiro designado para ser o relator da matéria, Augusto Deon, abriu mão da função. Representante da Associação das Escolas Superiores de Formação de Professores, ele foi um dos que não quiseram votar. Alegou que não havia participado das discussões, mas reafirmou sua posição contrária à expansão dos colégios Tiradentes. Votaram contra o credenciamento do Colégio Tiradentes em Ijuí os conselheiros Antônio Avelange e Dulce Delan, que representam o Cpers.

Coube ao membro da União Gaúcha de Estudantes, Érico Michel, fazer a relatoria. Sugeriu ao Conselho pedir informações às Secretarias de Segurança e da Educação sobre a origem dos recursos para essas escolas. “Isso ainda não está bem claro, mas entendo que o ensino militar no país é válido e que os colégios mantidos pela Brigada Militar cumprem seu papel assim como as escolas do Exército”.

Também se abstiveram de votar Domingos Buffon, que representa o Sinpro/RS, Sindicato dos Professores do Ensino Privado do RS – no Ceed, e Maria Eulália Nascimento, do Cpers. Buffon disse que o Tiradentes não é a escola pública que ele deseja para o Rio Grande do Sul. Eulália, que preside a Comissão de Ensino Médio, e coordenou o trabalho coletivo para análise do pedido de credenciamento em Ijuí, afirmou que os colégios militares não são mais necessários no contexto democrático atual. E criticou a forma como a BM e o governo estão conduzindo o processo. “O Ceed se tornou refém das decisões do governo“, afirma.

Ela lembra que os alunos do colégio Tiradentes não podem ser computados para receber dinheiro do Fundeb – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica. “Se isso ocorre, a Secretaria de Educação está cometendo irregularidades”, define.


Modelo espartano é questionado

O professor Fernando Becker destaca que a disciplina rígida pode causar mais estragos do que benefícios para muitos alunos e que jamais deverá ser utilizada como fim educacional. “A disciplina é meio, por isso deve ser submetida aos fins educacionais: desenvolvimento intelectual e moral, formação para a cidadania consciente”, explica.

Estudantes são responsáveis pela limpeza

A presidente do Ceed, Cecília Farias, também diretora do Sinpro/RS, diz que o Conselho, como órgão também de controle social, vem mantendo uma postura responsável em relação ao tema. “Questionamos a expansão surpreendente dos colégios Tiradentes, o investimento duplo na oferta de Ensino Médio – da Secretaria da Educação e da Secretaria da Segurança – a desigualdade de condições das escolas da rede estadual de ensino e dos colégios Tiradentes, e a forma de seleção de alunos”, ressalta.

O ex-conselheiro do Ceed, Marcos Fuhr, da direção colegiada do Sinpro/RS, considera que essa expansão dos colégios Tiradentes deve ser debatida na sociedade. “Se são todas escolas estaduais, porque a Tiradentes tem toda uma estrutura, enquanto as outras estão sucateadas?”, questiona. Para ele, há uma política da BM para valorizar a imagem da instituição através do ensino, e não da segurança.

Ele também questiona a forma de ingresso. “As famílias querem essa escola, mas quem tem chance são os adolescentes bem nutridos, sem problemas físicos, e a realidade é que os filhos de policiais representam uma minoria ali”, argumenta o diretor sindical, referindo-se a 30% das vagas destinadas aos familiares dos PMs.

O certo, argumenta Fuhr, “era fazer seleção por sorteio, a exemplo do que ocorre em colégios como o Instituto de Educação, que é estadual, e o Colégio de Aplicação, vinculado à Universidade Federal”.

“Qualquer exclusão escolar anda, atualmente, na contramão das conquistas históricas. Imagine um aluno que frequenta uma escola dessas. Ele pode apresentar uma performance intelectual bem acima da média nacional, mas não aprenderá a conviver com as diferenças: com os portadores de deficiências, com a pobreza e a miséria que adentram nossas escolas. E perderá excelente oportunidade de aprender a conviver com as diferenças sociais”, completa o professor Becker.


Concorrência no ensino público

Em 2004, dois anos após a Assembleia Legislativa ter derrubado o projeto de lei do Executivo que supostamente desmilitarizou o Tiradentes e transferiu-o para a Secretaria da Educação, o Ceed constatou que não existia nenhuma lei que instituía a Secretaria da Segurança como mantenedora da escola.

“O colégio tinha uma gestão híbrida. Era mantido financeiramente pela SE, mas a gestão era da Brigada Militar”, explica Cecília Farias.

O Conselho determinou que a instituição passasse de vez para a BM através de lei e, se isso não ocorresse, a SE deveria assegurar a autonomia administrativa do colégio, inclusive com eleições democráticas para diretor. Em 2005, o governo sancionou a Lei 12.349, de 26 de outubro, que autorizou o Ensino Médio.

Ainda existem dúvidas sobre a origem dos recursos


“Ética, valor, disciplina e hierarquia”

“Aqui nós tratamos a educação no sentido integral do aluno, sem a intenção de formatar o cidadão, apenas motivamos ele a estudar, dentro dos nossos princípios de ética, valor, disciplina e hierarquia”, explica o tenente-coronel Andreis Dal Lago, diretor do colégio em Porto Alegre.

Na capital, a instituição chegou aos 30 anos e se notabiliza pelo excelente desempenho de seus alunos em vestibulares e avaliações como o Enem – Exame Nacional do Ensino Médio. Da última turma de formandos, 26% foram aprovados na Ufrgs, cinco alunos ingressaram em escolas militares.

Quanto à forma de ingresso, Dal Lago diz que os testes se justificam devido à exigência de marchar e de participar de modalidades esportivas.

A carga horária dos alunos varia entre 1.400 horas anuais, para quem frequenta primeiro e segundo anos, e 1.200 h/a para o terceiro ano. Estes estão dispensados do turno integral. Os demais têm aulas manhã e tarde, de segunda a sexta. Dois períodos por semana são dedicados às atividades extracurriculares, a escolher entre desportivas – hipismo, esgrima, defesa pessoal, atletismo, futebol, vôlei, basquete – e culturais – banda marcial, dança, francês, alemão e inglês.

A média é 7, enquanto nas outras é 6. Quem estiver abaixo da média no primeiro trimestre já recebe reforço. Quem for reprovado duas vezes ou for pego colando é “convidado” a sair da escola. O índice de aprovação em 2009 foi de 97%.

Os instrutores das aulas extraclasse são policiais militares, oficiais e soldados. Já os professores da grade curricular são todos vinculados à Secretaria de Educação, 30 no total.

A BM não possui verba específica para manter a escola. São aceitas contribuições voluntárias de R$ 30 por mês. “Isso que alguns dizem que é um colégio elitista, que matricula somente os melhores alunos, é uma inverdade”. Dal Lago ressalta que no próximo concurso, em 2011, serão reservadas 60% das vagas para filhos PMs. “A função do Tiradentes é assistencialista”, insiste.

Este ano o colégio iniciou com 355 alunos, quase o dobro dos anos anteriores. A meta é chegar em 2012 com 600 estudantes."


Por Cleber Dioni Tentardini

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Escola Tiradentes em São Luiz Gonzaga

Os moitucanos da cidade não acertam uma, mesmo. Depois de tentar privatizar a água e esgoto, e serem derrotados, eles andavam meio sumidos, ocupados em fazer represálias contra seu correligionário Buzina. Mas não demorou a terem mais uma idéia de jerico: trazer para São Luiz uma extensão da Escola Tiradentes da Brigada Militar, como se isso fosse uma coisa boa.

E como não fazem nada certo, não se limitaram a defender esse projeto anacrônico e anNegritotidemocrático, que já deveria estar sepultado há anos. Foram além, e sugeriram que, para sua implementação, sejam utilizadas as instalações da Escola Estadual Adalgisa Lencina, tradicional educandário localizado em um local que abrange uma população de periferia, predominantemente pobre.

Assim, centenas de alunos ficariam sem escola próxima às suas casas. E, de quebra, a Brigada Militar local teria que direcionar parte de seu esforço para a Escola, ao invés de se dedicar com exclusividade à sua função constitucional, o policialmento ostensivo.

Segundo o que se pode entender do que foi publicado na imprensa local sobre o projeto, é concreta a proposta do fechamento da Escola Adalgisa, para destinar as instalações ao projeto excludente, tão criticado por quem entende do assunto (tanto de educação quanto de segurança pública).

Enquanto isso, ainda há centenas de alunos estudando em escolas de lata (contâineres - ver jornal da RBS de hoje sobre a situação em Caxias do Sul). E, já na metade do ano, outros milhares seguem sem professores de várias matérias, em escolas do Estado inteiro. Em escolas que, para o Governo do Estado, não merecem ter o padrão "Tiradentes", bem entendido.

Hoje haverá uma audiência pública na Câmara de Vereadores sobre o assunto, chamada pela vereadora Xuxu Malgarin, do PT. Aposto que, como no caso do local para construção do Fórum, qualquer pessoa que se oponha a essa insanidade vai ser rotulada de "inimiga" do desenvolvimento da cidade, pelos reacionários, com o apoio dos incautos de sempre.

Reproduzo abaixo opinião do CERS - Sindicato, que pode ser lido no original aqui:

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Escola Tiradentes - Que projeto é esse?

"A democratização do nosso país é fruto de um processo lento e gradual cuja abrangência precisa de significativos avanços, ainda. A maior parte da população, que é empobrecida, busca o atendimento prestado pelo poder público nas diversas áreas, tais como: segurança, educação, saúde, habitação, transporte ...

No Rio Grande do Sul foi gestado um projeto de criação de escolas de ensino médio, mantido pela Brigada Militar (Polícia Militar). É a extensão do Colégio Tiradentes nas diversas regiões do estado. Até o presente, o governo Yeda criou por decreto mais seis escolas - além de Porto Alegre -, distribuídas seguintes municípios: Passo Fundo, Santa Maria, Ijuí, São Gabriel, Rio Grande e São Luiz Gonzaga.

Das que foram criadas no final de 2009, Passo Fundo e Santa Maria, foram credenciadas e autorizadas a funcionarem e estão funcionando. As demais aguardam o credenciamento e autorização para funcionarem, ainda, em 2010. Um conjunto de problemas precisam ser examinados com mais cuidado e que serão elencados na seqüência, sem preocupação em hierarquizar cronologicamente ou de importância:

a) Qual o papel de um colégio militar dirigido pela Brigada Militar do Rio Grande do Sul? Foi realizada uma pesquisa pelo próprio governo Yeda e constatou que a maior preocupação dos gaúchos, disparadamente, é com ausência de uma segurança pública ostensiva. Quando são criadas estas escolas, de onde sairão os oficiais e soldados que irão dedicar o seu tempo nestes espaços? Qual o papel da Brigada Militar na sociedade?

b) Nos municípios que foram contemplados com tais projetos, foram criadas comissões para tratar dos encaminhamentos necessários, capitaneadas pelas seguintes entidades: Coordenaria Regional de Educação, Lions Clube, Rotary, Prefeito Municipal, Associação Comercial e outras entidades empresarias. Qual é a lógica deste projeto?

c) A forma de ingresso se dá em três etapas, a saber: exame escrito, exame físico e exame de saúde. Caso o estudante seja reprovado em um dos testes, não será aceito no colégio.

d) O corpo docente é formado, quase na sua totalidade, por trabalhadores da rede estadual, sob o comando da Brigada Militar. Estes docentes são selecionados pelos seus currículos, respeitado a formação, vínculo (concursados) e destaque na região. Será, também, um time seleto. Para aquelas escolas que perderam servidores, serão oferecidos contratos emergenciais, cuja vinculação tem um caráter precário, para suprir as vagas ou, até mesmo, executar-se-á a enturmação como saída para garantir o atendimento;

e) Os recursos para manutenção destas unidades escolares sairão de que rubrica?

f) Se for com recursos da Secretaria de Educação (35%), a mantenedora é a Secretaria da Educação ou é a Brigada Militar? Se for com recursos da Secretaria de Educação, então a mantenedora é a Secretaria de Educação e, portanto, deverão ser implementadas a Gestão Democrática e a universalização do acesso;

g) Se a Brigada for à mantenedora os recursos deverão sair da rubrica da Segurança Pública, inclusive para pagamento dos salários dos docentes;

h) Se a Brigada Militar investir parte do seu orçamento nestas escolas, significa que outras áreas, como o combate à violência, a estruturação tecnológica e outras ficarão sem cobertura, na medida, que o foco será educação;

i) Quem serão os estudantes que utilizarão esta estrutura, financiada com recursos de toda população gaúcha?

São alguns aspectos que precisamos examinar e aprofundar, pois do contrário estaremos aceitando a estratificação da sociedade, priorizando os que podem em detrimento dos que mais precisam.

A sociedade gaúcha precisa se manifestar e questionar esta situação, sobretudo, por se tratar de recursos públicos que estão sendo direcionados para um projeto que, no mínimo, atenta contra a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira, como também à própria democratização de nosso país."
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