Tem razão o Pedro Ortaça, quando diz que mateando a gente pensa. Fiquei matutando ...
O Sepé nasceu aqui, em São Luiz Gonzaga, que na época devia ter uns 5.000 habitantes. Isso entre 1710 e 1720. Fiquei imaginando a infância dele e dos outros indiozinhos, brincando pelos terrenos, em volta do Colégio e do Cabildo, bem onde hoje ficam a Praça e a Igreja.
Como a casa da minha família fica cerca de 100m, em linha reta, de onde ficava a catedral da Redução, certamente brinquei nos mesmos pátios das crianças de 300 anos atrás. Fiquei encardido com a mesma terra vermelha, comi as mesmas pitangas e amoras ...
Imaginei ainda a piazada caçando nas matas, coletando frutas silvestres, pescando no Arroio Barrigudo, e na outra meia dúzia de sangas, que havia ao redor da Redução. E também, nos dias mais quentes do verão, fazendo correrias até o Pirajú e o Chimbocú, só para nadar um pouco, e depois retornar correndo, coisa que até poucas gerações atrás a gurizada daqui ainda fazia.
Não se sabe com que idade Sepé ficou órfão, e foi levado para São Miguel. Se foi na adolescência, provavelmente foi ainda por aqui que ele viveu suas primeiras paixões, ou até mesmo se casou, pois o matrimônio era bem precoce. Consta que os padres apressavam os casamentos dos índios quando chegava a puberdade, para evitar que houvesse relações, em pecado venial.
Fiquei um tempão sozinho lá no trevo, mateando e pensando ...
Pensei que o Sepé muito deve ter andado, a pé ou a cavalo, por estes caminhos hoje transformados em ruas e estradas. Que muitas vezes olhou este mesmo horizonte, que sentiu frio nestes mesmos invernos. E muitas vezes apreciou a chegada destas primaveras.
Fiquei imaginando o que o Sepé faria quanto a essa questão da água.
Como ele fazia parte de ume elite militar, deveria ter condições de fazer o que séculos depois se convencionou chamar de “avaliação de conjuntura”. E perceberia que a intenção de privatizar os serviços de água e esgoto é a “ponta de lança” da empresa privada, para depois passar a explorar a venda da água mineral do Aquífero Guarani.
Diz a lenda que ele era voluntarioso. Devia ser, para conquistar o status de maior comandante dos guerreiros guaranis. Identificada a ameaça, certamente não ficaria assistindo. Iria à luta, com as armas que lhe fossem disponíveis.
Na guerra guaranítica, a resistência foi difícil, sofrida, no campo de batalha. Para fazer frente ao invasor, os índios produziram até canhões, adaptando a primeira fundição das Américas, destinada originalmente à fabricação de sinos para as igrejas.
Na luta atual, pela manutenção da água pública, as armas são outras, e as alternativas também tem que ser construídas. Mas tudo continua muito difícil e sofrido.
Uma frente será, com certeza, na esfera jurídica. Essa disputa, no entanto, é ingrata, pois o Prefeito tem a legitimidade da função. Além disso, está escudado por uma lei municipal, do ano passado, que lhe permite decidir por decreto sobre o Plano Municipal de Saneamento Básico, e como implementá-lo.
Outra frente será a mobilização da comunidade. Pode ser que, se ficar escancarada a rejeição à privatização, o Prefeito e seus apoiadores mudem de idéia. Afinal, é tão mais simples, vantajoso e não-oneroso para o Município apenas renovar com a CORSAN, como Santa Rosa, e agora Santiago, fizeram.
Tem muita gente querendo um plebiscito, mas o Alcaide nem dá bola.
Mas como mobilizar se a maioria das pessoas não está interessada no debate?
O que o Sepé faria nessa situação? Não dá para imaginar.
Meu devaneio andava assim, quando a água da térmica acabou.
Antes de ir embora, não sem fazer, antes, uma relação entre a finitude da água da minha garrafa térmica, e a finitude da potabilidade do Aquífero, dei mais uma olhada para estátua.
Pareceu-me até ouvir que o cacique sussurrava:
Esta água tem dono ... Esta água tem dono ...
Mas quem dá atenção ao ensinamento de uma escultura?
Nenhum comentário:
Postar um comentário