segunda-feira, 19 de outubro de 2009

O crime aos dezesseis

No Brasil, a idade mínima para que alguém possa ser punido pela prática de fato classificado como crime é dezoito anos. Todos sabemos disso. Mas, nestes tempos em que a criminalidade avança, e adolescentes muitas vezes praticam atos correspondentes a crimes graves, ressuscita a proposta de reduzir essa idade para dezesseis anos, sob a alegação de que os “menores” são impulsionados para o crime pela sensação de que não serão punidos por sua conduta anti-social.

Pela minha experiência, posso afirmar que realmente são muitos os casos de crimes contra a vida cujos autores são adolescentes, mas, a cada caso em que trabalho, mais se reforça a opinião de que a redução da idade não é uma solução adequada.

Iniciando pela questão da impunidade, talvez a maioria das pessoas não saiba que nos casos mais graves, como tráfico de drogas, roubo, homicídio e latrocínio, ela simplesmente não existe. Todos os jovens que conheci, e que tenham praticado essas condutas foram imediatamente institucionalizados na FASE, ex-FEBEM.

Tenho constatado que o adolescente infrator somente fica impune, nesses casos graves, quando não há provas suficientes de ter sido o autor do fato, igualzinho ao que ocorre com relação ao adulto criminoso. E foi-se o tempo em que as pessoas eram presas sem provas, no Brasil.

E sempre me ficou a impressão de que a falta de estrutura para investigação, flagelo da polícia, é superada ainda com mais empenho por nós, policiais, quando o autor é adolescente, do que quando se trata de um adulto. Isso pode ser notado nos noticiários, onde se vê que, quando o autor é adolescente, o fato é quase sempre solucionado.

Já nos casos menos graves, de crimes contra o patrimônio, por exemplo, quase ninguém fica preso no Brasil, sendo a regra responder ao processo em liberdade. Porque então deveriam os adolescentes ser tratados de forma diferente?

Outra discussão é quanto ao tempo da segregação. O adolescente culpado por ato infracional grave pode ficar institucionalizado até os vinte e um anos, e quase sempre fica, mesmo, porque os atos desse tipo geralmente são praticados aos dezessete, quase dezoito anos.

Na média, dá para dizer que ficam três anos institucionalizados, nesses casos. Isso parece pouco para o autor de uma morte, mas é preciso lembrar que um adulto, para ficar três anos efetivamente preso, tem que ser condenado à reclusão de, no mínimo dezoito anos, devido às progressões de regime. E podem ter certeza de que três anos de restrição à liberdade, para um adolescente, representa muito mais que três anos para um adulto.

A conduta infracional adolescente tem várias causas. No Brasil, as principais são a miséria, a ignorância, a família desestruturada, a falta de modelos positivos, a ausência do poder público. Não será o rebaixamento da idade penal que trará solução para esses problemas.

Se a imputabilidade penal for rebaixada, agora, para dezesseis anos, daqui a cinco ou dez anos estaremos debatendo novo rebaixamento, para catorze ou doze. Podem anotar, e me cobrar depois.

Eu considero que o caminho é o inverso. Não é questão de mudanças na lei, mas sim na sociedade. O caminho é o da distribuição de renda, do fortalecimento do núcleo familiar, da atenção com as periferias, da oferta de bons equipamentos de cultura, esporte e lazer, para que os jovens possam canalizar de forma construtiva a energia produzida pela explosão de hormônios da adolescência.

À Polícia Civil, cabe continuar elucidando os atos infracionais, buscando qualificar cada vez mais os procedimentos, para que o Poder Judiciário possa decidir pela melhor medida, caso a caso. E intensificar o trabalho de investigação contra receptadores e traficantes, esses os que verdadeiramente se beneficiam da delinquencia infanto-juvenil.

A sociedade deve entender que a simples redução da idade seria a aposta em uma solução mágica (e injusta) para um problema por demais concreto. E, infelizmente, não existem soluções mágicas, para nada.

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