Estão falando que neste sábado será publicado o edital da privatização da água e esgoto aqui em São Luiz Gonzaga. Mas me preocupa muito que a população não seja esclarecida sobre o tamanho do buraco em que estão nos colocando.
Eu tenho sustentado que, ao assinar a concessão para uma empresa privada, o Prefeito automaticamente criará uma dívida de 70 milhões de reais, valor que o Municípío não tem condições de suportar. Esse valor corrigido, então, sabe-se lá a quanto poderá chegar.
Essa dívida de 70 milhões se compõe de duas partes: 25 milhões da indenização devida à Corsan, e 45 milhões da dívida do investimento a ser feito em esgotamento sanitário.
1) Indenização à Corsan.
Tudo que existe relativo ao fornecimento de água na cidade pertence ao patrimônio da Corsan, ou seja, ao Estado do Rio Grande do Sul. Costumo dizer que desde o hidrômetro em frente à nossa casa, passando pela canalização, até as caixas-dágua, daí à Hidráulica, e de lá à estação de bombeamento, aos poços artesianos, e às unidades de captação no Ximbocu, tudo pertence ao patrimônio do Estado.
Essas instalações todas serão tiradas na “mão grande”, e repassadas gratuitamente à empresa privada, que passará a explorar o serviço de água, sem investir o valor de uma única fita veda-rosca. Acho isso uma imoralidade, já que o patrimônio do Estado é também patrimônio de todos nós.
Só que o Estado não vai aceitar isso, entrará na Justiça. E vai ganhar, em alguns anos, o direito de ser indenizado. Existem decisões judiciais nesse sentido, inclusive.
Também não se diga que o Município poderia desapropriar a Corsan, porque um ente federativo “menor” (o Município) não pode encampar um “maior” (o Estado). E mesmo que pudesse, deveria fazê-lo com “justa e prévia indenização em dinheiro”, como prevê a Constituição. Dinheiro que São Luiz Gonzaga não possui.
Bom, o valor a ser indenizado é incerto. Estima-se, pelo tamanho da rede e número de economias, que esteja por volta de 25 milhões de reais.
Em Uruguaiana, não houve a indenização (estimada em 72 milhões), porque o TJ entendeu não haver perícia que esclareça o valor devido. A Prefeitura de lá diz que não deve pagar nada, amparada em “pareceres jurídicos” que orientam a “se adonar”, e deixar que a Corsan cobre, na Justiça. A discussão sobre o valor vai demorar alguns anos, mas uma vez determinado, a condenação é certa.
Voltando ao nosso caso, que é idêntico, vamos dizer que demore cinco ou dez anos (com todos os recursos judiciais), fatalmente chegará um dia em que essa conta cairá como um raio na administração municipal.
E serão 25 milhões corrigidos até a data da sentença.
Em Novo Hamburgo, a estimativa da Corsan, quando municipalizaram o serviço, era de 50 milhões. Hoje, a cidade está devendo em torno de 160 milhões à Corsan. Mas eles ainda tem a sorte de poder devolver tudo (o patrimônio foi incorporado a uma autarquia municipal), e “negociar” a dívida.
Falo isso porque em Camboriú houve a mesma situação de NH, condenação judicial, etc., e a Prefeitura negociou com a Casan (a Corsan deles) a devolução do serviço, em troca do perdão da dívida. Mas nós não teremos nem o que devolver, pois estará tudo na mão da empresa privada.
Bom, mesmo restringindo-nos, que seja, ao valor nominal de 25 milhões, em um município cujo orçamento anual bruto gira em torno de 50 milhões, e a margem de recursos livres talvez não chegue a 2 milhões, é dívida demais.
Essa conta, por sua vez, será paga pela Prefeitura através de quatro fontes: redução de investimentos; redução nas despesas de manutenção de bens e serviços (sucateamento); aumento de impostos (IPTU e ISS), e arrocho salarial aos municipários.
Então, qualquer pessoa que esteja pensando em comprar um terreno, uma casa, construir um prédio, montar uma empresa, ou investir no agronegócio hoje em São Luiz Gonzaga, deve estudar o caso por muita atenção, pois provavelmente a Prefeitura daqui a dez anos não tenha recursos para limpeza pública, manutenção da pavimentação urbana, das estradas rurais, investir em educação, saúde, etc. A arrecadação estará toda comprometida com o pagamento dessa dívida.
E isso por termos contraído uma dívida imensa, apenas para presentear o patrimônico da Corsan à empresa privada, sem que o Município ganhe um centavo com isso.
Eu tenho certeza de que, se fosse proposto um investimento de 25 milhões de reais para construirmos aqui, por conta do Município, um hospital dos mais modernos, provavelmente não haveria concordância da comunidade, em razão do endividamento futuro.
Como aceitarmos então uma dívida dessas, para dar o serviço da água todo já instalado e funcionando, a uma das maiores empresas do mundo?
2) Dívida do investimento em esgotamento sanitário
O Plano Municipal de Saneamento prevê um investimento inicial de 45 milhões de reais.
Se houver a gestão associada com a Corsan, a quase totalidade desse valor pode ser obtida a fundo perdido, junto ao Governo Federal, com recursos so PAC.
Ou seja, não precisaremos pagar esse valor.
Já se houver concessão, a empresa privada terá que investir esses 45 milhões, com recursos próprios, ou buscando emprestado no mercado (caso em que terá de pagar juros).
E o valor investido pela empresa privada não pode ser alcançado pelo Governo Federal. Como a empresa não doará esse valor para São Luiz, buscará seu ressarcimento entre os usuários do sistema.
Ou seja, precisaremos, nós, pagar esse investimento.
Vamos então a um cálculo simples: vamos supor que a empresa tome os 45 milhões emprestados, a longo prazo, e o tenha que pagar o dobro (um cálculo modesto para trinta anos de prazo), chegaríamos a 90 milhões de reais.
Para recuperar 90 milhões, em trinta anos de exploração do serviço, a empresa precisaria recuperar 3.000.000,00 a cada ano, além das tarifas (250.000,00 por mês). E como recuperaria? Na conta mensal dos usuários. Mas a conta deverá ser de muito mais de 90 milhões.
A tragédia não para aí. Ainda resta a parte mais dolorosa: o lucro que a empresa pretenda tirar do negócio.
Qual a estimativa de lucro que uma empresa gigantesca como a Foz (Odebrecht), só para citar um exemplo, buscaria de um contrato no qual ela trabalhará 30 anos, e investirá 45 milhões de reais?
Dez por cento do investimento? Dez por cento de lucro seria 4,5 milhões, valor irrisório para uma empresa desse porte. Vinte por cento, trinta? Não se sabe. Arrisco-me a supor que, para investir 45 milhões, a empresa buscará no mínimo dobrar o valor investido, ao final do contrato.
E esse valor será suportado pela comunidade. Por nós.
Bom. E aí eu pergunto: isso tudo, a troco de quê, se é muito mais barato, fácil e seguro fazer o contrato de gestão associada com a Corsan?
PS: Apenas recapitulando, há três formas de realizar o serviço:
1. Execução direta, inviável aqui, devido ao alto custo. A Prefeitura não tem recursos livres ou margem de endividamento para um investimento da ordem de 45 milhões para cima. Além disso, a quantidade de economias é muito pequena para sustentar o sistema.
2. Convênio ou Consórcio de Gestão Associada com outro ente federativo, no caso o Estado do Rio Grande do Sul, através da Corsan (artigo 241 da Constituição Federal, e artigo 2º, inciso II, da Lei 11.445). Nesse caso, não há necessidade de licitação.
3. Concessão à empresa privada, via licitação, nos termos exigidos pelo artigo 175 da Constituição Federal, e Lei 8.666.
É de esclarecer que o contrato anterior com a Corsan era de concessão, porque a legislação da época da assinatura (anos 1960) previa essa modalidade de contrato.
Agora, não poderá haver contrato de concessão com a Corsan (no meu entendimento, é claro), por existir uma modalidade própria de contratação da autarquia, a gestão associada (criada pela Constituição em 1988).
Assim, o simples fato do encaminhamento ser através de licitação exclui, automaticamente, a Corsan da disputa.
Finalizando, repriso aqui a frase com que finalizei minha manifestação na Audiência Pública com a Corsan:
O terremoto, com maremoto, tsunami, e desastre nuclear ocorrido este ano, lá no Japão, não causou um prejuízo tão grande ao futuro daquelas cidadezinhas atingidas, quanto essa privatização causará ao futuro de São Luiz Gonzaga.