sábado, 31 de março de 2012

Querência Amada

Uma vez fomos fazer um trabalho policial em Santa Cataria, e na volta nossa viatura estragou, distante ainda de Porto Alegre. Não lembro em que trecho estávamos, mas era longe, pois demorou umas quatro horas até sermos resgatados por outra equipe da Cogepol.
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Enquanto espervamos, vimos que havia uma "correaria" ao lado da estrada. Fomos até lá, sendo bem recebidos pelo proprietário, um velho barbudo que fabricava de tudo, das celas mais elaboradas, até os aperos mais bonitos. Pelegos, baixeros, rédeas, mangos, e por ai afora. Tinha o que fosse preciso para trabalhar no campo, desfilar no 20 de Setembro, ou brincar de gauchão de apartamento.
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Pois esse velhão me disse uma coisa bem engraçada: "Rui Biriva, Osvaldir e Carlos Magrão, Tchê Music... no meu radio esses veados não cantam. Se começa uma música deles, eu troco a estação ou desligo".
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Achei muito interessante o ponto de vista dele. Até adotei esse método, com relação às glamorosas do Cansei. Na minha tv, a Hebe não aparece mais, desde então. E a Ivete Sangalo, outra cansada que garrei nojo, também não vai dar Ibope no meu aparelho.
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Uns anos depois conheci o Rui Biriva, grande pessoa, lá em Dom Pedrito, e contei o causo para ele. Chê, ele achou engraçado demais, se rolava de dar risada. Isso demonstra que o Rui era um grande caráter, pois para levar a crítica assim, na esportiva, a pessoa tem que ter uma segurança muito grande no seu próprio talento.
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Bueno, Tchê Music eu também não suporto. Mas Osvaldir e Carlos Magrão eu gosto, desde os tempos em que a torcida do Imortal embalava o time do Felipão, nas conquistas da década de 1990. Era bonito escutar a torcida cantando Teixerinha, enquanto o melhor jogador que já vestiu uma camisa número 5 aqui no Estado, o Dinho, elegantemente distribuía pancadas passes no meio de campo.
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Hoje, assisti o Jornal do Almoço para ver se passava algo da Operação Navalha, e a dupla estava animando o telejornal. Me deu vontade, e como o blog é meu, ninguém tem nada a ver com o que posto ou censuro, nem o velhão daquela correaria, vai aí o clipe de Querência Amada. 
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Também serve para matarmos a saudade daquele tempo, em que o Grêmio ainda tinha time.
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sábado, 24 de março de 2012

Apertando o Botão "F"


Disse o Eclesiastes: 
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"Tudo neste mundo tem seu tempo;
cada coisa tem sua ocasião.
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Há um tempo de nascer e tempo de morrer;
tempo de plantar e tempo de arrancar;
tempo de matar e tempo de curar;
tempo de derrubar e tempo de construir.
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Há tempo de ficar triste e tempo de se alegrar;
tempo de chorar e tempo de dançar;
tempo de espalhar pedras e tempo de ajuntá-las;
tempo de abraçar e tempo de afastar.
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Há tempo de procurar e tempo de perder;
tempo de economizar e tempo de desperdiçar;
tempo de rasgar e tempo de remendar;
tempo de ficar calado e tempo de falar.
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Há tempo de amar e tempo de odiar;
tempo de guerra e tempo de paz."
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Digo eu:
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Um dia, chega também o tempo de apertar o botão “F”.
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domingo, 18 de março de 2012

O futuro está no lixo

Não é de hoje que defendo a municipalização do imenso potencial de riqueza existente nos resíduos sólidos urbanos.
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Alguns chamam de lixo, e dão variadas classificações, como domiciliar (seco para reciclagem, orgânico para compostagem), industrial (aparas de metal, casca de arroz para gerar energia), da construção civil (terra, caliça, material preservado em demolições), e por aí afora. 
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Eu chamo de mina de ouro, e dou uma única classificação: matéria-prima, cujo recolhimento, seleção, manipulação e revenda, se explorada pelo poder público, pode gerar lucro que sustente muitos programas sociais, especialmente na geração de emprego e renda. 
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Tenho convicção de que o futuro dos municípios está no lixo. Até já concorri a Prefeito, motivado, confesso que quase exclusivamente, pela possibilidade de provar minha "tese". E escrevo frequentemente sobre o assunto (ver aqui). Mas, aparentemente, esse é um típico sonho de pisciano, que não consegue muitas adesões entre pessoas de outras casas zodiacais, que vivem no "mundo real".
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O problema é que essa atividade tem proporcionado - do jeito que está - extraordinários rendimentos para quem exerce nele alguma atividade privada (recolhimento de lixo, aterros sanitários, compra a venda de sucata, tele-entulho, etc.). E o poder econômico, já ensinava um sujeito chamado Marx, impede qualquer modificação, em qualquer coisa, quando o status quo lhe é conveniente.
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Além disso, e principalmente por isso, tudo o que envolve lixo se constitui, por supuesto, em fonte de propina para políticos corruptos. Arrisco dizer que está por aí a maior fonte de corrupção, em termos municipais, no país. Para quem não lembra, a execução do Prefeito Celso Daniel, em SP, deveu-se ao enfrentamento das máfias do lixo.
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Bueno, levando em consta que talvez textos dos outros consigam o que eu sozinho não alcanço, convencer a que exijamos dos nossos pré-candidatos propostas consistentes, e depois que tais projetos sejam executados, vou começar a reproduzir alguma coisa, aqui. Já que santo da casa não faz milagre, busquemos outros interlocutores.
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Hoje segue um texto que pesquei na Agência Brasil, via Blog do Luís Nassif.
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Lixo domiciliar pode gerar US$ 10 bilhões por ano ao país
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O economista Sabetai Calderoni, presidente do Instituto Brasil Ambiente e do Instituto de Desenvolvimento Sustentável, declarou neste sábado (17), que se o lixo domiciliar tivesse tratamento adequado, poderia gerar recursos da ordem de US$ 10 bilhões ao país por ano, dinheiro suficiente para beneficiar a população brasileira com cestas básicas e um plano habitacional.
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Para o economista, o “processo social de amadurecimento” que o país viveu nos últimos anos pode, com a implantação da atual Política Nacional de Resíduos Sólidos, que estabelece, por exemplo, o fim dos lixões e a logística de retorno de embalagens e produtos usados, aumentar ainda mais os ganhos com a reciclagem de lixo no Brasil.
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A gente gasta muito menos energia, por exemplo, quando usa sucata ao em vez de usar a matéria prima virgem. É o caso da latinha de alumínio, em que eu economizo 95% da energia. Da mesma forma, economizo minha matéria prima que é a bauxita [gasta-se 5 toneladas de bauxita para produção de 1 tonelada de alumínio], e ainda economizo água”, disse Calderoni. Na mesma conta, o economista ainda considera o pagamento feito pelas prefeituras aos aterros, que recebem e enterram os resíduos, além dos gastos com o transporte desse material e a perda dos ganhos que a reciclagem poderia gerar.
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Tanto o lixo domiciliar, quanto o entulho, produzido pela construção civil, por exemplo, poderiam ser tratados pela sistemática das centrais de reciclagem, modelo proposto por Calderoni para aumentar a lucratividade com a reciclagem de lixo no país. Para contornar custos das prefeituras com a implantação dessas unidades, a solução apontada pelo economista é a parceria com empresas . "Se fosse apenas um custo proibitivo e não valesse a pena, os empresários não teriam interesse em participar", declarou.
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Mais de 150 municípios já implantaram centrais que, segundo ele, derruba, na prática, argumentos que colocam o investimento necessário para a reciclagem como o empecilho. “Caro é pegar matéria-prima, chamar de lixo, pagar caro para transportar o lixo e gastar dinheiro para alguém receber e enterrar. É não entender que o que você está chamando de lixo é um conjunto de matéria-prima preciosa”, disse Calderoni.
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Fonte: Agência Brasil
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terça-feira, 13 de março de 2012

domingo, 11 de março de 2012

Príncipe nazista visita o Brazil

Que coisa bem triste essa bajulação da grande imprensa, a uma pessoa tão desimportante como o príncipe Harry, atualmente passeando no Rio de Janeiro.
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Eu tenho lá minhas interpretações sobre a família do dito cujo, que bem representa a aristocracia parasitária ainda existente em alguns países atrasados do mundo, que praticam uma estranha forma de democracia, na qual o povo não pode escolher os seus representantes executivos, de forma direta e universal.
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Fiz alguns comentários sobre a decadente dinastia dos Winsor por ocasião do casamento do princípe William, postagem que pode ser visitada aqui, por quem não a tenha visto. Em parênteses, diga-se que - se William herdou a beleza da mãe, e Harry a feiúra do pai, ambos herdaram a inutilidade da avó.
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Pois agora vem esse rapaz, fazer não se sabe o quê, por aqui. Faz cara de entediado, irrita-se com os paparazzi, é antipático com a imprensa, e visivelmente emburrado, visita o Morro do Alemão. Tudo absolutamente sem finalidade prática para o Brasil, já que ele não representa, oficialmente, coisa alguma.
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Já para o Brazil, "O príncipe Harry, que é piloto de helicóptero..." friza William Bonner. "O princípe Harry deu para mim a única entrevista...", repica o Luciano Huck. "O príncipe Harry se irrita com paparazzi e sai do barzinho para uma área fechada do Hotel, perdendo de assistir o por-do-sol...", completa o reporter que segue o enferrujado filho da Cornualha em seu tour carioca.
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Na frente do Hotel, duas ou três mulheres esperam para ver o príncipe, na esperança de talvez serem vistas por ele.
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Quem é mais veterano lembra da visita do príncipe Charles ao Brasil, ainda na ditadura, quando as imagens dele sambando com uma mulata padrão Sargenteli correram o país. Mais de trinta anos depois, a mídia tupiniquim continua se comportando da mesma maneira, sem perceber o mais perceptível: já não somos vira-latas. 
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Mas, por outro lado, essa bajulação ridícula pode se transformar algo positivo. Quem sabe até, de aguma validade futura para o país. 
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É que, se  for tratado pelas redes sociais como a piada que realmente é, o comportamento da mídia, nesse caso, talvez seja um divisor de águas na forma de cobrir esse tipo de visita.
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Se forem colocados em frente ao espelho da mediocridade, quem sabe os responsáveis pelas coberturas abandonem de vez a sabujice, não mais cabível em um país cuja economia acaba de deixar para trás, em todos os seus números, à da Coroa Britânica (por Coroa, refiro-me ao Reino Unido, e não à imorrivel Rainha Isabel II).
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Por último, não se pode deixar de lembrar que o príncipe sem-noção, além de feio, é pessoa absolutamente desprovida de inteligência, como demonstrou o episódio em que, "ingenuamente", participou de uma festa à fantasia usando um uniforme nazista, o que causou um grande desconforto entre seus súditos mais velhos, que vivenciaram as agruras da guerra contra o Terceiro Reich.
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Dar todo esse espaço a uma pessoa sem serventia, e que ainda mais propagandeia o nazismo, mesmo que por "brincadeira", é uma coisa profundamente lamentável.
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Bueno, é isso. Chega de colunismo social por hoje. E ademã, que vou em frente.
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terça-feira, 6 de março de 2012

Xenofobia e Racismo


* Por Tomás Rosa Bueno
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Em um vídeo encomendado e assinado pela direção geral de "alargamento" da Comissâo Europeia e dirigido a jovens de 16 a 24 anos de idade, a bela Europa é rodeada e atacada por três inimigos obviamente não europeus, mas multiplica-se, une-se, rodeia os malvados e força-os a render-se - e depois a sumir. 
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O caráter do vídeo é claramente político e guerreiro - nós, os bons, estamos sendo atacados pelos estrangeiros maus, mas vamos vencê-los. É uma clara ação de caracterização de um inimigo externo, dirigida justamente à parcela da população que será a primeira a ser mobilizada em caso de guerra.
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Não seria caso de preocupar-se - afinal, não seria a primeira vez que a Europa tenta sair do aperto atacando ou ameaçando atacar os outros. Acontece que um das facínoras do vídeo é evidentemente brasileiro - um capoeirista negro -, acompanhado de um mestre de kalaripayattu (arte marcial da Índia) e um lutador de kung-fu.
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Um brasileiro, um indiano e um chinês ameaçando uma Europa que julgavam indefesa e rendendo-se quando descobre o verdadeiro poder do velho continente. Faltou a Rússia mas não era preciso: todo  europeu nasce e morre sabendo que o maior - talvez único - sonho dos russos é invadir a Europa.
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* Pescado aqui, no blog do Luís Nassif
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Liberdade para a Libertadores

Há dois anos, o governo de Cristina Kirchner comprou os direitos de transmissão do campeonato nacional para sua tevê estatal, o Canal 7, e passou a revendê-los para as emissoras privadas, com preços que variam de acordo com o índice de audiência de cada uma nos últimos 12 meses. Não parece uma má solução.
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* José Roberto Torero
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Há uma crença, ou lenda, que diz que o mercado é ao mesmo tempo sábio e forte. Se este texto fosse uma charge, o mercado poderia ser desenhado como um velho de barbas brancas mas com músculos de Maciste (ou de Conan, se você perdeu os filmes italianos da década de 60).
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Sendo sábio e forte, o mercado perceberia as necessidades da sociedade e rapidamente encontraria uma saída. Mas, como a maioria das lendas, há uma certa fantasia nisso.
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A prova pode ser vista, ou melhor, pode ser não vista esta semana. É que muitos amantes do futebol deixarão de ver os jogos da Libertadores, a principal competição do continente.
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Os seis times brasileiros estarão em ação entre terça e quinta-feira, mas só poderemos ver o jogo do Corinthians, pela Globo, e o do Fluminense, pela FX.
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E quanto aos torcedores de Internacional, Santos, Vasco e Flamengo? E quanto aos torcedores de outros times que gostariam de ver estas partidas?
Eles não verão nada, a não ser que façam parte de uma minoria dentro da minoria, ou seja, dos assinantes de TV a cabo que são clientes de operadoras que trabalham com a Fox Sports.
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Segundo a Anatel, hoje os assinantes da tevê paga se dividem assim: Net: 37%, Sky: 29,79%, Embratel: 17,89%, Telefônica: 4,29%, Oi: 2,76%, Abril: 1,27%, Outros: 6,99%.
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Como a Fox Sports não se acertou com Net, Sky e Embratel, 84% dos assinantes das tevês pagas não verão a maioria dos jogos da Libertadores.
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Isso acontece porque temos um choque de monopólios. As três grandes operadoras detêm o monopólio do público, e a Fox possui o monopólio da transmissão. Como não houve acordo, todo mundo sai perdendo: as operadoras, a detentora dos direitos, os clubes, os patrocinadores e principalmente nós, que gostamos de futebol.
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Já que as tevês são concessões públicas e o futebol está enfronhado com o poder institucional (basta lembrar que há uma Timemania mas não uma Escolamania ou uma Hospitalomania), o assunto pode ser considerado um assunto de estado. Assim é na Argentina.
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Há dois anos, o governo de Cristina Kirchner comprou os direitos de transmissão do campeonato nacional para sua tevê estatal, o Canal 7, e passou a revendê-los para as emissoras privadas, com preços que variam de acordo com o índice de audiência de cada uma nos últimos 12 meses.
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Não parece uma má solução. Democratizaria os direitos de transmissão, quebraria monopólios e estabeleceria uma competição entre as emissoras, que por sua vez pagariam de acordo com sua audiência, sem correr grandes riscos.
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A tese vai ao encontro da proposta do leitor Flávio Pietrobelli, autor do comentário que motivou este texto: “Creio ser a hora de batalharmos pela mudança da regra: que todos os canais possam transmitir livremente qualquer espetáculo. (...) Aquele que tiver maior índice de audiência poderá vender propagandas mais caras.”
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É uma proposta democrática e que atende às premissas do livre mercado. O problema é que ter o monopólio geralmente é mais lucrativo do que competir.
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* Bom texto José Roberto Torero, pescado de Carta Maior, via Esquerdopata.
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segunda-feira, 5 de março de 2012

Serra e os Estados Unidos do Brasil - Não é ato falho, é complexo de vira-latas

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Ato falho de Serra reflete mentalidade tucana

Em um samba composto em parceria com Maurício Tapajós, o grande letrista Aldir Blanc contrapõe o Brasil – território lúdico-mítico de “Sertões, Guimarães, bachianas” e de “Jobim, sabiá, bem-te-vi” – ao Brazil – projeção ditatorial de um país subalterno e ignorante, condenado a imitar os modismos, a estética e o consumismo norte-americanos. Gravada magnificamente por Elis Regina, “Querelas do Brasil” tornou-se, se não um sucesso, um objeto de culto nacional.

Que me perdoe Aldir (cujas crônicas boêmias e malandras eu cultuo como a objetos de arte feitos do mais genuíno humor), mas a lembrança da música foi a primeira coisa que me veio à cabeça ao ver José Serra chamando o país em que sonhou um dia governar de Estados Unidos do Brasil.
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Para além do aspecto cômico da fala e do que revela de desconhecimento histórico básico, trata-se de uma troca de palavras significativa, que explicita – como o clássico ato falho freudiano que é - a visão de mundo do político peessedebista e evoca a dinâmica da relação entre o nacional e o internacional em um passado não muito distante.

Nunca fomos tão vira-latas

Refiro-me, é claro, aos oito anos em que Fernando Henrique Cardoso esteve no poder, um período durante o qual o deslumbre com o que fosse estrangeiro atingiu um tal nível de transbordamento que só pode ser equiparado à vergonha de ser brasileiro exibida pelo tucanato e por seus eternos apoiadores na mídia – e por estes bombardeada noite e dia à população.

Não que a baixa auto-estima nacional fosse uma novidade trazida pelo tucanato. Nelson Rodrigues, antes da Copa de 1958, afirmava que o “complexo de vira-latas” - por ele definido como "a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo" - era o principal adversário do "escrete canarinho". Mais importante: toda uma reflexão sobre o país, dominante por quase duas décadas a partir de fins dos anos 50 - e que seria tematizada de forma recorrente pela produção cultural do período - identificava no atraso estrutural da nação e em sua condição de subdesenvolvimento a chave para compreender seus problemas e superá-los.

Razões de fundo

A novidade trazida por Collor e aprofundada pelos tucanos foi que o complexo de inferioridade do brasileiro deixou de se apresentar apenas como um sintoma (a ser, portanto, mitigado à maneira que a defasagem estrutural fosse sendo superada) para se tornar objeto de culto, a ser estimulado e agravado - tarefa da qual se incumbiram com deleite jornais, revistas e programas televisivos (cujo exemplo acabado é o anacrônico Méanrratan Conéquichion).

Em uma época em que globalização e neoliberalismo ainda eram largamente compreendidos como termos obrigatoriamente indissociáveis - como se pode aferir pela leitura de alguns dos principais textos teóricos da primeira metade dos anos 90 -, tal operação se deu, sobretudo, devido a um imperativo ditado pelo receituário do Consenso de Washington, adotado como princípio orientador das políticas de Estado: a necessidade de predispor ideologicamente o público a se convencer, primeiro, de estarmos condenados a ser uma nação atrasada e subalterna ante a superioridade insuperável do "primeiro mundo". Em segundo lugar, de que a única solução para nossa redenção seria acatar os pressupostos da "nova ordem econômica mundial" ditada pelos EUA e, enxugando ao máximo o tamanho e as funções do Estado brasileiro, em torno de tal país orbitar, abrindo mão de nossa identidade como nação e aceitando passivamente a incapacidade de comandar nosso destino. O objetivo final a coroar tal empreitada seria a adesão à ALCA, o tratado de "livre-comércio" engendrado por Washington e que - como o exemplo mexicano o demonstra de forma cabal - fatalmente levaria o Brasil a um penoso retrocesso econômico e social.

Príncipes e jecas

É dentro dessa lógica que se insere o fato de que o príncipe – digo, o presidente – de turno, no seu chilique mais aloprado, tenha reagido à pressão popular contrária às medidas recessivas que tomara afirmando que “os aposentados são vagabundos e os brasileiros, caipiras”. O adjetivo “caipira”, nesse contexto, é não só utilizado no intuito claro de desqualificar, mas de atingir seus alvos com uma grave acusação de ignorância e desconhecimento do que seja o mundo. O caipira, para FHC, não diz respeito ao ser social, inserido em uma cultura telúrica e historicamente premido por um processo de "persistências" e "alterações", de que nos fala Antonio Candido - mas a um emblema estático da brasilidade como traço negativo. Daí resulta um paradoxo: ´para o outrora celebrado sociólogo, todos os brasileiros são caipiras, e o problema de ser caipira é justamente ser brasileiro.

Por outro lado mas em sentido semelhante, dizer que algo é “de Primeiro Mundo”, embora fosse uma expressão antiga, tornou-se, nos anos FHC, moeda corrente, a expressão valorativa por excelência. Enquanto a população sofria com os baques que a economia do país sofria à mínima crise internacional (fosse ela russa, mexicana ou nos "tigres asiáticos), o desprezo ao que fosse nacional e o ódio ao que fosse estatal eram incentivados pelo tucanato no poder e pela mídia corporativa (que apoiou o governo FHC com uma subserviência deslumbrada e acrítica indigna de ser chamada jornalismo). Foi nessa toada - e exibindo o salário do mais abonado magistrado como se fosse a regra entre o funcionalismo - que se convenceu parte da população de que as privatizações modernizariam o país e acabariam com os "barnabés" (a gíria pejorativa com que 9,9 de cada dez colunistas - esses mesmos que aí estão - se referiam aos trabalhadores empregados pelo Estado)

Cenário em mutação

O pós-11 de setembro, com a diminuição do poder norte-americano, a ascensão dos BRICs e a chegada ao poder – na América Latina, sobretudo – de governantes de centro-esquerda, trouxe, aos poucos, uma mudança de cenário, a qual, somada às possibilidades interativas da web 2.0 e ao grande acréscimo na inclusão digital mundial, permitiu vislumbrar que o fenômeno globalizante e a ideologia neoliberal não eram, sempre e necessariamente, indissociáveis.

Havia, percebe-se, aspectos da globalização - como a ação comunicacional e político-social a partir da internet ou a troca gratuita de arquivos de áudio e vídeo - que permitiam, na verdade, contra-atacar pontualmente e questionar o neoliberalismo.

É no âmbito desse novo cenário que o governo Lula, a partir de sua política externa - caracterizada por prioridade às relações Sul-Sul e aos BRICs, parcerias e auxílio aos países mais pobres da América do Sul, África e Oriente Médio e ímpeto de representar países em desenvolvimento em fóruns internacionais,, recusa à Alca e tentativa de diminuição do poder de influência dos EUA no país - e de sua atuação cultural interna - em que se destacam a valorização da cultura nacional, a pulverização das verbas para além do eixo Rio-SP, e a inclusão sócio-cultural via Pontos de Cultura -, paulatinamente insere uma nova dinâmica no imaginário acerca do locus do Brasil e do brasileiro no contexto de um mundo globalizado.

Um aspecto muito importante a ressaltar em relação a esse processo é constatar que a redenção de um complexo de inferioridade secular, ainda que se dê, atualmente, de modo parcial e para parcelas da população, não foi substituída, via de regra, por um nacionalismo tacanho nem por um patriotismo fanático.

Provincianismo em crise

Há de se considerar, como pontos polêmicos a discutir, a presença do exército brasileiro no Haiti e o temor crescente, entre alguns de nossos vizinhos sul-americanos, de que o Brasil esteja se tornando imperialista (acusação que não é nova: trabalhando como jornalista na Bolívia, em 2001, fui fisicamente agredido por skinheads que demonstravam ódio ao “imperialismo brasileiro”).

Mas é preciso ser obtuso ou desonesto para negar que a melhora da economia real verificada na última década, com decréscimo substancial das taxas de desemprego e aumento do poder de compra, a ascensão de uma nova e volumosa classe média, bem como o acesso - ou o incremento do acesso - a bens de consumo durável, lazer, acesso digital e viagens aéreas acabaram por modificar para melhor a auto-imagem de parcela revelante da população - um fenômeno que tende a se tornar ainda mais evidente ante a contraposição da atual situação brasileira à grave crise econômica que ora levam, infelizmente, a população dos EUA e de vários países europeus a amargar uma penosa débâcle social.

Além disso, não obstante os muitos desafios postos ao Brasil em termos de redução da desigualdade, saúde, educação e demais itens da pauta dos direitos humanos avançados, tanto o grau quanto o perfil axiológico da visibilidade do país no exterior são hoje maiores e mais positivos do que nunca. "A crítica permanente ao Brasil está fundada em excesso de provincianismo", observou o sociólogo Alberto Carlos Almeida, em artigo no Valor Econômico.

Mas, com um número cada vez maior de brasileiros viajando ao exterior, cada vez mais gente descobre que a oposição simplista entre um país incompetente e fadado ao fracasse e um "primeiro-mundo" perfeito e irretocável não passa de uma falácia. -certo-apesar-dos-ceticos - o que, evidentemente, também reverte em acréscimo da auto-estima nacional.

A volta do atraso

Tudo isso fez com que o discurso negativista sobre o país, só enxergando suas mazelas, além de alimentar provincianos convictos, se tornasse uma das principais bandeira dos setores conservadores, mais um componente a se juntar ao discurso moralista que se tornou praticamente a única estratégia discursiva de uma oposição que não tem projeto para o país, que há mais de uma década combate o governo de turno valendo-se tão-somente de ataques neoudenistas.

Ora, é a essa mesma oposição a que José Serra pertence. E não é preciso nenhum esforço para enxergar no ora pré-candidato a prefeito de São Paulo a mesma empáfia, a mesma arrogância, o mesmo desprezo pelo Brasil e pelo povo brasileiro que o presidente a que serviu como ministro da Saúde e do Planejamento ostentou por oito anos - os quais só foram dourados na boca e na pena dos colunistas a serviço do mercado, pois para a maioria da população foram de penúria, desemprego e carestia.


Mais do que um lapso eventual, a menção aos "Estados Unidos ao Brasil", feita por Serra, é a expressão do desejo de regresso a um estado de coisas em que as elites brasileira traficavam a riqueza do país em troca das migalhas que se lhes atirava o grande capital internacional, enquanto o povo chafurdava no subemprego e na miséria.



* Escrito por Maurício Caleiro
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