* Artigo pescado no excelente Blogs do Além, Supostamente psicografado (ou psicoditado) pelo espírito de Nelson Rodrigues
Dia desses, eu navegava pelo YouTube, quando me deparei com o vídeo de uma música romanticamente intitulada Sou F...
Perdão pelos três pontinhos, mas este blog tem, entre seus leitores, senhoras que ainda se ruborizam. E, antes que você condene o fato de eu assistir a um clipe da banda Avassaladores, quero dizer o seguinte: uma sociedade em que o trocador de ônibus fosse um Aristóteles, o lavador de para-lamas um Goethe, o mata-mosquitos um Marx. Em tal sociedade, eu entenderia o nosso desprezo intelectual pelo funk carioca.
O clipe em questão já tem quase 10 milhões de views (postei adiante). Dizem-me os mais informados que a música é um grande sucesso, toca até em baile de grã-fino. Já mereceu versão sertaneja chique, e é constantemente parodiada por outros internautas. Entrou para o repertório popular da festa e da galhofa. Reproduzo aqui um pedaço da letra.
Sou f... (2x)
Sou f... na cama eu te esculacho
Na sala ou no quarto
No beco ou no carro
Eu... eu sou sinistro
Melhor que seu marido
Esculacho seu amigo
No escuro eu sou um perigo...
Avassalador, um cara interessante
Esculacho seu amante
Até o seu ficante
Sou f... na cama eu te esculacho
Na sala ou no quarto
No beco ou no carro
Eu... eu sou sinistro
Melhor que seu marido
Esculacho seu amigo
No escuro eu sou um perigo...
Avassalador, um cara interessante
Esculacho seu amante
Até o seu ficante
Por que é mesmo que estou dizendo isso? Já sei. Sempre repeti que o brasileiro é um narciso às avessas, que cospe na própria imagem. Nossa tragédia era não ter o mínimo de autoestima.
Cristalizei essa mania nacional de, voluntariamente, se colocar de quatro, em face do resto do mundo, quando criei a expressão complexo de vira-lata.
Em verdade, ela me ocorreu depois do trauma sofrido pelos brasileiros em 1950, quando a Seleção Brasileira foi derrotada pela uruguaia na final da Copa do Mundo, em pleno estádio Mário Filho. Vi que esse fenômeno não se limitava somente ao campo futebolístico. O Brasil era muito impopular no Brasil. Não nos sentíamos preparados para ser “o maior do mundo” em qualquer coisa. Nem em cuspe a distância.
Éramos humildes de babar na gravata. Quando passava a carrocinha de cachorro, cada um de nós tinha medo de ser laçado também. Bem diferente dos dias que correm. Hoje estamos nos achando F...
E a letra do funk não é o único índice. Há outras ululantes evidências. Exigimos uma cadeira no Conselho de Segurança da ONU. Zombamos com sarcasmo do déficit americano. Abrimos as portas da nação para receber, numa mesma década, os dois maiores eventos esportivos do planeta. Aparecemos em pesquisa como o povo mais otimista do mundo. Sem contar o corte de cabelo do Neymar. No espelho, nos vemos como a última bolacha do pacote.
Eu estou achando ótima essa mudança. É fundamental que o brasileiro ouse aspirações cesarianas. Um inglês, um americano, um alemão pode ser modesto.
Sim, um Napoleão pode ser humilde. Eu, se fosse o papa, havia de chamar até os contínuos de “doutor”. Como povo que recém deixou a autodesconfiança de lado, não temos esse direito.
Nunca imaginei que o brasileiro viveria esse momento. O complexo de vira-lata foi parar no pet shop. Só espero que nossa entrada triunfante para o Kennel Club da estima não nos crie desejos imperiosos e novo-riquistas como o de ter um trem-bala e nem nos atrapalhe na hora de cobrar pênaltis.
OS: O clipe que dá título a esta postagem segue adiante:
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