quarta-feira, 8 de julho de 2009

O Coronel e a Fila de Transplantes

Esta semana lembrei de um livro que li quando adolescente, e me impressionou muito na época. Na verdade, ainda hoje a narrativa me perturba um tanto. Trata-se de “Ninguém escreve ao Coronel”, escrito por Gabriel Garcia Márquez quando era jovem e morava sozinho em Paris, isso bem antes de receber o Prêmio Nobel de Literatura. Talvez devido às experiências então vivenciadas pelo autor, o livro transpire solidão e melancolia.

A história é mais ou menos a seguinte: um velho coronel, morando com sua esposa também velha e doente, na periferia de uma cidadezinha, passa a vida esperando uma carta, que trará a notícia da sua aposentadoria. E todas as semanas, mês após mês, ano após ano, ele se arruma para receber a carta, que não chega nunca. Na casa pobre, de móveis corroídos pela miséria, um galo de rinha, herança de um filho falecido, faz companhia ao casal. O galo poderia ser vendido para comprarem comida, mas isso empobreceria ainda mais seu cotidiano, por suprimir a última ligação com o filho que já se foi.

Na rotina de fome e pobreza do casal, transparece a solidão da velhice e do abandono. A vida se arrasta, e os personagens vão sobrevivendo, esperando a carta que pode mudar suas vidas, mas que não chega nunca.

Quem leu esse livro, não pode deixar de ficar triste. Dá pena dos personagens, e medo de acabar assim, sozinho, preocupando-se apenas em avançar mais um dia, à espera de uma solução que depende dos outros. Uma solução que demora, e talvez nem chegue a tempo.

Eu lembrei do livro, ao assistir as matérias que a televisão está mostrando, para incentivar a doação de órgãos.

Não sei por que, não consigo me contentar vendo as pessoas que aparecem felizes, aliviadas porque um parente recebeu, através do órgão esperado, a oportunidade de continuar vivo, e agora vivendo, não apenas sobrevivendo. Fico feliz por elas, mas alguma coisa faz com que meu pensamento se fixe mais nos que não suportaram a espera, e morreram antes que lhes fosse alcançado um coração, pulmão, fígado ou rim. Ou naqueles que ainda estão na fila de transplantes, esperando um telefonema, como o coronel esperava sua carta.

Imagino os pais de uma criança, não esperando uma carta, sexta após sexta, mas um telefonema, minuto após minuto, com a notícia de que há um órgão disponível. Que há vida disponível.

As pessoas não deveriam ter que passar por isso, pois sendo uma população de milhões, a espera não poderia ser tão demorada. A "fila de transplantes" não poderia ser tão longa.

Ninguém escrevia ao coronel, mas na doação de órgãos, os "remetentes" somos nós. Assim, considero um dever de todos explicitar a vontade de doar, e insistir que esse desejo seja respeitado. É como cantava o Eduardo Dusek, em uma música que, no fundo, não deixa de ter algo a ver com o tema: "deixe na história da sua vida uma notícia nobre".




Nenhum comentário:

Postar um comentário