segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Quanto vale uma praça?

Alguns dias atrás, a cidade parou para a cerimônia de lançamento da pedra fundamental do novo Fórum. O edifício será construído na Praça ao lado do Hospital Materno infantil, e a cerimônia reuniu a nata da sociedade são-luizense.

Eu não fui na festa. Não que seja contra a construção, ou contra a melhoria das condições em que o Estado, por qualquer de seus poderes, presta seu serviço público. Acho correto que os funcionários do Judiciário tenham condições confortáveis de trabalho, da mesma maneira que todos os servidores, de todos os órgãos, deveriam ter. Apenas resolvi não ir.

Não posso prestigiar uma cerimônia, por mais meritória que seja, que esteja embasada na destruição de uma praça, em uma região da cidade na qual não poderá ser substituída. Sei que houve debate acerca da localização do prédio, antes de minha transferência para cá. E que ganhou a posição "desenvolvimentista". É preciso construir o prédio ali para desenvolver o bairro, disseram. E para que São Luiz seja um polo de desenvolvimento regional. Daí o Alcaide correu a doar o terreno de uma preciosa praça para que, derrubadas as árvores necessárias, seja construído o prédio de seis andares.

Eu lembro do início dessa praça. Quando eu era bem pequeno, nos anos 1970, a Construtora Veloso e Camargo veio para São Luiz, construir a BR 285. E se instalou em todo aquele quarteirão do Bairro Agrícola, a uma quadra ao norte da avenida, e duas quadras ao leste da Rua Hipólito Ribeiro. Eles construíram uma vila de casas pré-fabricadas, ao redor da quadra, e no miolo do quarteirão, um campo de futebol espetacular, todo nivelado e cercado por tela.

Depois que e BR ficou pronta, e a construtora foi embora, e restou o campo, nivelado, no qual passávamos as tardes jogando memoráveis peladas, gazeando a aula no Polivalente. Alguns craques saíram dali.

Na década de 1980, caparam a metade do terreno, e construíram o Hospital Materno Infantil. Depois, foram ampliando o prédio, para abrigar outros serviços municipais, especialmente na área da saúde.

A parte de baixo da praça foi deixada em paz desde então, e as árvores cresceram, havendo atualmente muitas com altura superior a vinte metros. A praça contém, inclusive, vários caminhos internos, e com um pouco de capricho, um parquinho para crianças e umas mesas de damas para os idosos, poderia ser facilmente transformada em uma praça tão aprazível quando a da Matriz, no Centro, reconhecida como uma das mais belas do Estado.

Não sei por que raios o Judiciário resolveu construir logo ali o novo prédio, ocupando mais um quarto do quarteirão. E acho que a Prefeitura doou sem pensar muito. Melhor não contrariar o Judiciário ...

Há alguns erros nesse encaminhamento, na minha singela opinião.

Primeiro, tá certo que é o "maior investimento público da história”, um prédio de 11 milhões de reais, e blá-blá-blá. Mas não é por isso que tinha que ser logo ali. Poderia ser qualquer outro terreno que a prefeitura tivesse, ou então desapropriasse para repassar ao Judiciário, tendo em vista o interesse público.

Mas não esses espaços estratégicos, já usados como praça ou com potencial para essa ocupação. O investimento em praças, com áreas de lazer e quadras para prática esportiva, é uma das principais maneiras do Município investir em Segurança Pública, muito mais eficaz que doar viaturas para a Polícia ou a Brigada.

Segundo, por qual razão o Judiciário, que tem dinheiro sobrando para construir prédios de milhões de reais, não compra os terrenos, devendo as prefeituras bancar essa despesa? É como se fosse a vaca mamando no terneiro.

Uma Prefeitura na qual faltam recursos para investimentos mínimos, como pavimentação decente nas ruas, ajudando um Poder que possui verbas suficientes para comprar qualquer terreno que quisesse. As prefeituras deveriam ser liberadas desse ônus, quando mais não fosse para construírem seus próprios prédios, para atendimento mais qualificado aos cidadãos e melhores condições de trabalho para o funcionalismo.

Terceiro, para mim é equivocado retirar esse serviço do Centro da cidade, para longe dos bancos, do transporte coletivo, do comércio, dos escritórios de advogacia, dos cartórios extrajudiciais, da Prefeitura, da Câmara, etc, e levá-los para quase dois quilômetros de distância. Haverá, imediatamente, uma demanda por investimentos da Prefeitura no entorno do novo prédio, do Transporte Coletivo à pavimentação, serviços esses que já estão prontos no Centro da cidade.

A descentralização vai no sentido oposto às tendências modernas de urbanismo, que defendem a concentração de serviços públicos em um determinado bairro, para que haja menos deslocamento, menos poluição pela fumaça dos carros, etc.

Soube que a vereadora Xuxu, do PT, foi uma das poucas pessoas lúcidas que argumentou sobre a possibilidade de buscar um local alternativo para o Foro. Mas basta acompanhar as sessões da Câmara, para ver que não passa uma semana sem que um vereador da situação a chame de "inimiga da cidade", por sua posição naquele debate.

O Edil a acusa de trabalhar para que São Luiz não se transforme em cidade-polo da microrregião, por ter defendido uma discussão melhor sobre a doação da praça para o Judiciário. Esse é um raciocínio muito superficial.

Para mim, andou correta nossa companheira, ao tentar defender um dos últimos espaços públicos da extinção. Sim, porque em todas as cidades em que foi construído novo Fórum, logo adiante é construído ao lado um prédio do Ministério Público. E aposto uma via do Edital da Privaização, como a Prefeitura correrá a doar o restante da praça para o MP.

Além disso, é uma primariedade acreditar que a construção de um Fórum vá colaborar para nosso fortalecimento como cidade-polo. A regionalização se dá em função do modelo de desenvolvimento econômico. Se a economia determinar que São Luiz seja polo, assim será. Se a economia não se organizar nesse sentido, não vai adiantar construir nem Foro, nem Mirante, nem a Torre Eifell no Bairro Agrícola, que não será cidade-polo.

É uma pena que o próprio Poder Judiciário não tenha pensado em alternativas menos traumáticas para o futuro da cidade. Mas agora, o mal está feito. Inês é morta, e aquelas árvores logo serão.

Eu fico me perguntando quanto vale uma praça. Quanto vale aquela praça. Para mim, vale mais do que o prédio, por mais bonito, chique, caro ou funcional que seja.
...

4 comentários:

  1. Prezado Renato:
    A necessidade de um espaço mais amplo para a prestação jurisdicional aqui na Comarca de São Luiz Gonzaga é um fato.
    Não se trata tão somente de uma comodidade para os serventuários do Judiciário ou para os advogados.
    Com efeito, quem sofre mais com a falta de espaço são os juridicionados que se utilizam do Juizado Especial. Basta ir nas noites de terças e quintas-feiras lá no Forum para verificar as condições desumanas a que se submetem senhores e senhoras de idade, que sequer têm acesso a um banco! Falta ar para respirar, o meio fica insalubre! Não há banheiros suficientes!
    No entanto,concordo contigo que o processo de escolha do local novo Forum foi equivocado, mal conduzido, principalmente pela Prefeitura.
    A praça é bem de uso comum do povo, tem afetação especial. Não poderia ser simplesmente doada ao Poder Judiciário.
    De qualquer sorte, existem terrenos sobrando na cidade,com mais calma e menos jactância poder-se-ia localizar um imóvel mais afeito.
    Embora reconheça o esforço daqueles que lutaram pelo novo Forum, vejo com olhos críticos essa conversa de "conquista"! Ora, era obrigação do Poder Judiciário construir um prédio minimamente decente, assim como o órgão tem o dever de criar mais uma Vara Cível aqui na Comarca (com mais um Juiz, obviamente; assim como precisamos demais promotores e defensores públicos)!
    Também é um fiasco a Justiça Especializada não dar conta de uma Vara do Trabalho aqui em São Luiz Gonzaga, o que obriga os obreiros da micro-região buscarem seus direitos em Santo Ângelo!

    ResponderExcluir
  2. Pois lá ocupam parte de uma praça para construir o novo prédio do Foro da Comarca, o que é discutível, pois espaço quando necessário se obtém até mesmo com eventual desapropriação. Aqui temos uma praça tomada por uma penca de pequenos botecos distribuídos pelo Prefeito aos seus simpatizantes e correligionários, o que é uma vergonha. E como se isto não bastasse, num dos botecos são copiados e vendidos CDs e DVDs, atividade sabidamente criminosa. A fiscalização da Prefeitura nada faz por inexistir. Em 29 de janeiro passado registrei ocorrência na Delgada de Polícia aqui em Xangri-Lá e que fez a autoridade policial única na cidade que é o Delegado de Polícia? Nada. Aqui é assim, lei existe, mas é ignorada. Esta cidade é um péssimo exemplo para a sociedade de nosso estado, infelizmente.

    ResponderExcluir
  3. Lúcida e proposital a crítica elaborada por Zé Renato e demais.Só que esta é a lógica.O "poder" do Poder judiciáriomais mais o servilismo e ignorância quando não maucaratismo de nossos governantes em todas as esferas, só faz prosperar este tipo de iniciativas.Aqui em POA a CÂmara de Vereadores vai votar um projeto de lei dia 21 que decreta o fim das atividades do Cais Mauá (Rio Guaíba) para entregar aquela área pública para a iniciativa privada aplicar 500 milhões em concreto, espigões e tudo mais, alí na beira do rio e do centro histórico da cidade.Das imediações da rodoviária até a Usina do Gasômetro será posse das construtoras que vão construir espaços privados vendendo para a grãfinagem o que não é deles.Quem é contra este entrega é contra o desenvo0lvimento da cidade segundo a malandragem de palitó e grata e tal e tal.A ladainha dos vivaldinos é a mesma, aí e aqui!

    ResponderExcluir
  4. Pois é...
    Quando da discussão da doação do terreno para o Judiciário, foi feito um questionamento entre as pessoas que moram naquele local e a grande maioria não gostou da idéia de trocar sua área de lazer pelo Fórum da cidade e, com certeza o Ministério Público. Temos em uma das alas do Hospital Materno Infantil uma sede do CAPS local onde são tratadas pessoas com problemas mentais que utilizavam a praça para seus exercícios e horas de lazer, o que lhes fazia muito bem. E agora, para onde irão? Não se sabe.O que se sabe é que o mundo inteiro clama por áreas verdes, locais onde conseguirão respirar, onde as crianças poderão correr. Questionamentos? Houveram sim, mas foram abafados. Juizes? São transeuntes, irão embora de nossa cidade. E nós? Ficaremos sem praça, distantes do centro da cidade,com imensas dificuldades para trabalhar.Mas enfim, o povo que "se lixe" como diz aquele deputado. E digo mais, a liberdade de expressão é legal, posso dar minha opinião esperando não ter de aguentar represálias. Hoje o poder está nas mãos de alguns, amanhã serão de outros. A roda gira, o mundo gira e o tempo que é o senhor da razão é que dirá. E "ele" NÃO ERRA.

    ResponderExcluir