quinta-feira, 27 de maio de 2010

A prática da tolerância

Tolerância é uma palavra importante.

Importante até demais, mas complicada de ser entendida e praticada, porque está sempre cheio de gente dizendo que devemos exercitar a tolerância, e a vida nos confirma isso seguidamente. Mas também ouvimos o tempo todo que não podemos tolerar isto ou aquilo. E de novo, a vida nos comprova isso, a todo momento.

Por exemplo, devemos ser tolerantes quanto à diversidade entre as pessoas. Nesse sentido, estou tranquilo, porque sempre fui bem tolerante. Não tenho qualquer preconceito quanto à origem, sexo, orientação sexual, etc.

Então, quanto a isso, sou completamente tolerante.

Peraí ... estou mentindo. Sinceramente, não é bem assim. Não tolero pessoas que defendem a ditadura e a tortura, só para dar dois exemplos rápidos. Com esses tipos, não perco tempo com argumentos, e parto para a grosseria bem rapidinho. Tolerância zero.

Báh, sou bem intolerante, mesmo.

Mas, por outro lado, sou tolerante a falhas praticadas pelas pessoas que eu gosto, e até mesmo por aquelas contra as quais não tenho nada contra. Errar é humano, perdoar é divino. Tolerância dez.

É, sou tolerante ...

Mas não tolero que as pessoas que detesto cometam falhas. Isso me revolta.

Bueno, então sou intolerante.

Uma casa de tolerância, por exemplo, é a casa de pessoas bondosas e não-preconceituosas, ou aquela em que só não vale dedo no olho e puxão no cabelo?

Se tem uma coisa que não tolero, mesmo, é que pessoas absolutamente corruptas andem por aí, de lombo liso.

Sobre essa intolerância específica, eu até ficava pensando no que fazer se alguma pessoa desse tipo me oferecesse publicamente a mão para um aperto. Afinal, sou uma "autoridade", e carrego a imagem do cargo comigo.

Não apertaria, como bom intolerante, ou apertaria, sendo educado e tolerante como a mãe me ensinou, e a Academia de Polícia (relembrando as aulas de "etiqueta") recomenda? Ô dúvida cruel.

E aconteceu, um dia desses, de estar em um evento, e um vigarista local, pessoa que já me sacaneou, inclusive, vir cumprimentando todo mundo até chegar a mim. Eu vacilei, mas vendo aquela mão estendida, e todo mundo olhando, apertei a mão do safado. Não sorri, nem falei nada, só apertei a mão. Ali, me senti vitoriosamente tolerante.

Mas reconheço que imediatamente contei os dedos e as unhas, para ver se ele não tinha me roubado um pedaço. Depois, disfarcei e fui no banheiro passar álcool gel na mão. Intolerância discreta, mas intolerância pura ...

Uma vez meu psicólogo perguntou se eu era tolerante, e eu respondi na tampa que sim, que não posso ter preconceitos, afinal sou marxista, e isso me impede de ser intolerante ...

Mas ele explicou que não era a isso que se referia, e sim tolerância a frustrações, a que meus desejos não se realizassem, as coisas não ocorressem da exata forma que eu esperava ... e aí fiquei confuso.

Pensando bem, acho que psicologicamente falando, tenho pouca tolerância ... mas em compensação sou muito “resiliente”. Sofro, mas agüento as porradas.

E mesmo que a pergunta se referisse à ótica da militância, como pensei inicialmente, sou tolerante ou não? Se a Revolução fosse hoje, e a escolha fosse minha, o que eu faria com a burguesia, por exemplo? Seria tolerante, colocaria numa creche, para reeducação? Ou seria intolerante, e passava todo mundo no fio?

Na minha profissão, não posso ser tolerante sobre nada de criminoso que chegue ao meu conhecimento. A tolerância, nesse caso, seria condescendência criminosa ou prevaricação, e procuro não ser condescendente, e nem prevaricar.

Assim, nesses onze anos como Delegado de Polícia, minha prática é não tolerar nada. Aperto o botão “F”, e investigo, indicio se for devido, ou denuncio quando estiver fora da minha atribuição. Mas nesse caso, a solução é fácil, pois trata-se intolerância fundamentada no positivismo.

Já como a pessoa que empresta este corpo ao profissional, aprendi na marra que não se pode levar tudo à ponta de faca, sempre. É necessário um pouco de jogo de cintura, muitas e muitas vezes.

Humm .. tolerância parece ser mais mais que uma palavra. É uma complicação ... então, fico pensando nisso, procurando um critério.

Devo ser absolutamente tolerante ou totalmente intolerante? Mais (ou menos) tolerante ou mais (ou menos) intolerante? Ou mais-ou-menos tolerante ou mais-ou-menos intolerante?

Não sei se foi Buda ou Confúcio que disse que a sabedoria está no caminho do meio. Mas achar o meio é que são elas. Tenho uma tendência irresistível de ir logo para as pontas ...

(In)Tolerar ou não, eis a questão. E (in)tolerar o quê, quem, como, quando, onde, porquê?

Qual a medida? E existe medida?

Não há critérios, e não há medidas. Cada caso é um caso, a ser solucionado pelo nosso sistema de idéias. Por isso, acho uma tremenda falcatrua quando alguém afirma "sou tolerante" ou "eu não tolero".

Mas é legal divagar. Estar cheio, ou inventar dúvidas.

Ruim, mesmo, é se estivesse lotado de mini-certezas, como uns e outros que encontro por aí. ...
...

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