quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Saudosa senzala

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O Brasil mudou muito nesses últimos anos, e nem todos prestamos atenção ou nos demos conta, para bem ou para mal não somos os mesmos.
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Especialmente as classes C e D são as novas protagonistas num país que não estava acostumado com isso, agora elas compram, estão mais visíveis. Pequenos detalhes, como ter um telefone que era caro e difícil, hoje é barato e banal, estão acessíveis a geladeira nova, a TV maior, o trânsito está entupido por novos carros. Prestações e carnês enchem as lojas e esvaziam as prateleiras.
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Entre os irritados com a conjuntura atual, encontram-se alguns economistas que, em seus termos misteriosos, fazem previsões de que pagaremos caro pelos dias de fartura. Sei lá, sou ignorante de suas sabedorias.
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Mas há outro tipo de gente incomodada com a situação atual, e esses, sim, me exasperam: são os viúvos do sistema de castas, que tinham um sem-número de pobres à mercê de suas roupas velhas, pequenas esmolas e favores de senhor da casa-grande. Essa senzala invisível está sendo erradicada do coração dos mais humildes, mas sobrevive na memória recente dos mais abastados e não é fácil abrir mão dela.
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A diferença social fazia de qualquer remediado de classe média um senhor feudal, sua vida era mais admirável, seus bens mais reluzentes, seus filhos mais promissores. Hoje, o filho de uma empregada doméstica pode disputar vaga na universidade federal com o da patroa que estudou em escolas caras, graças ao sistema de cotas, o que enche esta última de indignação, e ambas podem ter o mesmo modelo de celular.
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Mesmo entre os intelectuais, uma miséria digna e consciente lhes parece mais atraente do que essas novas hordas de entusiastas consumidores, de quem lamentam a banalidade de horizontes.
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Um ser humano se torna o que é porque outro lhe faz espelho, contraponto. A miséria de uns auxilia a que a imagem de outros pareça mais faustosa, são papéis que se complementam. Melhores índices de qualidade de vida em um país, portanto, não têm motivo para agradar a todos, mesmo que seja por motivos inconfessáveis, inconscientes.
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Estamos muito longe da igualdade social com que sempre sonhei, mas esse novo quadro, aliado ao fato de que os candidatos mais importantes neste pleito são oriundos das fileiras da luta contra a ditadura, me deixa de bom humor. Gosto de ver a política viva, embora ela costume aparecer apenas trajada de escândalos, prefiro-a paramentada de promessas.
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Além disso, nunca esqueço que as eleições diretas foram uma árdua conquista, por isso, elas ainda me produzem certa emoção, simplesmente por existirem.
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Artigo de Diana Corso, Publicado hoje no Zero Hora.


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Nota do Blogueiro:

Há alguns meses, eu cancelei minha assinatura da Zero Hora. Um pouco por economia, pois qualquer vinte pilas a menos de contas, no fim do mês, é sempre bom. E outro tanto porque ficava muito bravo, com a linha editorial anti-petista do tablóide. Não conseguia mais ler o jornal sem notar que atrás de cada fotografia, manchete, parágrafos ou retranca havia uma intenção, mal escondida, de avacalhar a esquerda. Ficava com raiva, e com isso subia a pressão, o que não é bom. Decidi que não precisava de mais esse incômodo.Cancelei.

Além disso, a Djanira também não estava lendo mais. Ela está sempre às voltas com livros, lendo no mínimo dois, às vezes três ao mesmo tempo, e se informa pela Internet. Nem dava bola pro ZH. 

Mas não nego que, de vez em quando, surgem coisas boas no jornal da Azenha. Esse texto de hoje, da Diana Corso, que li de manhã no Diário Gauche, um dos meus favoritos, é maravilhoso. Resumido, simples e cheio de conteúdo.

E por coincidência, ontem mesmo, na nossa caminhada diária, tinha perguntando para Djanira qual  explicação psicológica para tanto ódio contra os "emergentes". E ela me deu essa mesma explicação. Muito bom.

Então, não resisti, e decidi compartilhar esse texto precioso. Boa leitura.

3 comentários:

  1. Pelos mesmos motivos que os teus, não assino este jornal. MAs de vez em quando espio por aí, nos Cafés da vida. Eis que ontem me deparo com esta ótima crônica da Diana Corso. Agora, procurando-a, encontrei o teu blog.
    abraço
    Andréia

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  2. sou tua fã... pois vc é de muita coragem..

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  3. Muito boa crônica, assim como essa de Maria Rita Kehl (http://www.cartacapital.com.br/politica/dois-pesos%E2%80%A6-maria-rita-khel-diz-tudo), também escrita em um jornal tendencioso.
    Eu tenho orgulho do Lula e mais ainda da Dilma que é uma mulher trabalhadora, profissional competente, uma idealista, uma destas pessoas do tipo que aprendi a admirar desde os primeiros raios de consciência social. Pessoas assim sempre me inspiraram e, posso dizer que hoje sou um pouco de cada uma delas. Me tornei mulher honesta, trabalhadora, chefe de família e profissional competente. Obrigada à Dilma por me representar.

    Fernanda Barbieri

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