quarta-feira, 20 de julho de 2011

É tempo de coleta seletiva


Vou lhes contar uma pequena história, e depois, expor uma idéia.

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A história é real, e começa em agosto de 2003, quando a atriz Isabel Filiardis e seu marido, comovidos com o drama de moradores de rua da sua cidade (Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense) decidiram auxiliá-los.
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Os dois logo perceberam que o principal problema era falta de trabalho, devido à pouca ou qualificação profissional dessas pessoas. Sem trabalho, não há renda, e elas acabavam na mendicância, situação da qual é difícil emergir. Era preciso, portanto, criar postos de trabalho, para que eles se sustentassem com seu próprio esforço, recuperassem a auto-estima e saíssem da triste situação em que estavam.
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Para fazer isso, o casal fundou a organização não-governamental “Doe seu lixo”, e foi à luta. Inicialmente, os dois alugaram um galpão, e passaram a visitar empresas, pedindo que os resíduos sólidos gerados na produção não fossem jogados fora, e sim doados à ONG, para revenda posterior a empresas de reciclagem, e divisão da renda auferida, entre os trabalhadores.
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Depois de garantir alguns doadores, o casal passou a convidar pessoas para serem sócios da cooperativa, iniciando pelas que moravam sob os viadutos daquela cidade. Os cooperativados então recebiam equipamento de proteção individual, recolhiam e separavam o “lixo” das empresas, e aprendiam a vender o produto para reciclagem, repartindo posteriormente os valores arrecadados.
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Um ano depois, no início de 2004, a organização já arrecadava 50 toneladas de resíduos, que rendiam cerca de R$ 25.000,00 por mês. E no ano de 2005, já havia 130 cooperativados, todos com renda de um salário, e três refeições diárias.
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Encerro a história por aqui. Soube que, depois, um filho do casal nasceu com uma doença rara, e eles abandonaram o trabalho na ONG, para poder cuidar melhor da criança.
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Passo agora à idéia: seguindo o exemplo, seria bastante possível a Prefeitura promover, aqui, um programa de coleta seletiva no qual os moradores "doassem" o lixo seco de suas residências, já separado, para uma cooperativa de recicladores. E com isso, gerar emprego e renda.
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Vamos pensar um pouco. Eles iniciaram, lá em Nova Iguaçu, com 50 toneladas por mês. E Aqui, em São Luiz Gonzaga, considerando-se a população, devem ser recolhidas em torno de 20 toneladas de lixo por dia. São, portanto, 600 toneladas por mês, ou seja, doze vezes mais que a quantidade com a qual a “Doe seu lixo” trabalhava no início de suas atividades.
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Claro que lá, eles trabalhavam com resíduos de empresas, lixo “limpo” e valorizado, e aqui o que temos é lixo doméstico, todo misturado, “sujo” mesmo. Mas com uma coleta seletiva razoavelmente organizada, e contando que apenas 20% do lixo doméstico sãoluizense fosse recolhido já separado previamente pelos moradores, seriam 120 toneladas de “lixo seco”, todo mês.
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Bueno, 120 toneladas são 120 mil quilos. Se essa quantidade de resíduos fosse depois vendida - por baixo - a cinquenta centavos o quilo, geraria uma receita mensal de R$.60.000,00. Esse valor, dividindo pelo salário mínimo regional, R$.545,00, poderia proporcionar renda para mais de cem pessoas.
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E isso “chutando” cinquenta centavos o quilo, porque há materiais que valem menos, como papel, mas outros mais valiosos, como alumínio, metal ou vidro.
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Mas vamos fazer um segundo cálculo, considerando que despesas de manutenção (combustível, energia, equipamento, administração, etc.), consumissem 20% do valor bruto arrecadado (R$.12.000,00), ainda sobraria renda para remunerar no mínimo 80 ou 90 cooperativados. Poucas empresas locais empregam tanta gente assim.
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Mas implantar a coleta seletiva é difícil, é o que muitos dizem. E nesses moldes propostos, é uma verdadeira utopia, acrescentam outros tantos.
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As pessoas não separam o lixo seco” é o principal argumento que ouço, daqueles que vêem dificuldades em tudo. Só que as pessoas não separam porque o caminhão de lixo junta tudo de novo. Ou seja, é justamente pela falta da coleta seletiva que a separação residencial não é feita. Além disso, havendo campanhas de concientização bem formuladas, eu aposto na separação de quase todo o lixo seco (o qual estima-se alcançar de 40 a 50%, do peso total recolhido nas cidades).
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No final, um dos cooperativados enriquece explorando os outros” é o segundo argumento que mais ouvi. E isso não deixa de ser verdade, pois vivemos no capitalismo, onde sempre surge um tubarão, nadando no meio dos peixinhos. Mas isso pode ser facilmente evitado se tivermos a administração (contabilidade, vendas, pagamentos) a cargo de um técnico da Prefeitura, por exemplo, com transparência, e um rígido controle das contas.
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De resto, ainda haveria benefícios para o Município, mesmo que este tivesse que bancar a estrutura inicial (armazém, veículo e motorista para recolhimento, administração, equipamentos), até o negócio se tornar auto-sustentável, devido à redução no lixo a ser recolhido e transportado para o aterro sanitário (em outro Município), pela empresa terceirizada.
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Explico: nesse tipo de contrato, a empresa contratada recebe conforme a quantidade de toneladas recolhida e transportada. Ou pelo menos, pelo direito, deveria ser assim, com a pesagem de cada carga e pagamento proporcional, a partir de uma tonelagem mínima contratualmente estabelecida, pois há muita diferença no custo de recolher e transportar 20, 15, ou 10 apenas toneladas. Nos municípios em que os administradores se preocupam em economizar o erário, o pagamento por tonelagem é estritamente respeitado.
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Peço licença para contar aqui, aliás, um segredo que poucos conhecem: as empresas terceirizadas de lixo não transportam o material recolhido direto, daqui para o aterro sanitário. Não mesmo. A carreta passa, antes, por uma central de triagem da própria empresa terceirizada, geralmente localizada no município onde está o aterro.
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Nesse local, empregados separam o “lixo seco” para revenda posterior, e somente o resto, sem valor, vai para o “lixão”.  Assim, há um “lucrinho” extra, coisa que os empresários sempre gostam. Se isso também é feito pela empresa que arrecada o lixo aqui, sinceramente não sei, mas é um procedimento quase padrão, nas grandes empresas do setor.
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Mas, como nem tudo são flores, há um problema sério para executar a minha idéia. Há anos estudo esse projeto, até mesmo acompanhando experiências semelhantes pelo Brasil afora, e fiz uma triste descoberta: por melhor que o projeto de coleta seletiva seja concebido; por mais que os moradores colaborem separando seu lixo; por melhor que seja a logística utilizada, a coleta coletiva não funciona sem a participação direta das Prefeituras.
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E aí, meus amigos, é onde a porca torce o rabo.
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As Prefeituras simplesmente não se interessam por isso, já que é muito mais prático terceirizar a coleta como um todo, e esquecer o assunto. Contanto que o lixo “suma” da cidade, geralmente nada mais interessa ao administrador municipal. E é por isso que a coleta seletiva do lixo residencial praticamente não anda, em todo o país.
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Infelizmente, a lógica dos nossos dias é a da terceirização, e na maior parte das vezes, forçada, de forma a deliberadamente criar nichos de mercado, para o lucro de associados privados. E devido aos grandes interesses econômicos envolvidos, romper esse paradigma, e adotar as soluções simples para problemas apenas aparentemente complexos, é missão quase impossível.
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Em São Luiz Gonzaga, a situação não é diferente. Mas há luz no fim do tunel. Ano que vem teremos eleições, e um passo importante seria cobrar de todos os concorrentes o compromisso de implantar com a coleta seletiva, no modelo humildemente sugerido. E votar naqueles que tem o costume de honrar a palavra empenhada.
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“Doe seu lixo” é um grande exemplo. Com um pouquinho de esforço, dá para transformar bastante o mundo. A atriz da Globo, e seu marido, já demonstraram que isso é possível.
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E se eles conseguiram, por que nós não podemos, pelo menos, tentar?

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