O que há por trás e pela frente da dívida dos EUA
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Por Flávio Aguiar
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Digam o que disserem as partes, o que há por trás da "crise da dívida" norte-americana, cujo prazo fatal é 02 de agosto próximo, são duas estratégias eleitorais. O que vem pela frente, ninguém sabe ainda, mas dá para fazer conjeturas.
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O presidente Obama quer fazer uma negociação de longo prazo. Em dez anos, reduzir algo como 1,2 trilhão de dólares nas despesas públicas, em troca de uma arrecadação a mais da ordem de 800 bi.
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Essa arrecadação adicional incidiria principalmente sobre os mais ricos e as grandes corporações.
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Com uma negociação de longo prazo, Obama se cacifaria definitivamente para a reeleição em 2012.
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Nisso os republicanos não querem nem pensar. Mas na falta de uma candidatura forte, sua única estratégia possível é emperrar a administração de Obama a qualquer custo, mesmo que seja correndo o risco de provocar um tombo na economia mundial de proporções ainda não vistas.
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Sua estratégia, portanto, é a de fazer um acordo sim, mas apenas de curto prazo, aumentando o teto da dívida (que é de 14,3 trilhões) mas apenas o suficiente para não afogar o estado norte-americano (caso em que levariam a culpa), mas mantendo a pressão sobre o governo e provocando nova negociação no ano que vem, que é ano eleitoral.
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Os republicanos se apóiam na maioria que têm na Câmara de Deputados. Obama e os democratas, na maioria que têm no Senado. Mas ambos os lados temem as dissidências. No momento, a estratégia republicana parece ser a de aprovar a "sua" reforma na Câmara, não permitindo aumento de impostos, e mandá-la para o Senado. Em caso de derrota, diriam que "cumpriram o seu dever", protegendo os eleitores da sanha do governo. Pode ser que o argumento não pegue, porque a recusa em aumentar impostos sobre os mais ricos e corporações vai penalizar os mais pobres e a classe média.
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Mas com isso eles arranhariam - ou até neutralizariam - a grande bandeira de Obama (de que nem mesmo alguns democratas gostam), que é a da universalização da saúde pública, através dos programas Medicare (classe média) e Medicaid (mais pobres).
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A contra-estratégia de Obama é de expor a atitude dos respublicanos como uma intransigência irresponsável. Pode ser que tenha sucesso. Pesquisas recentes da rede ABC mostram que metade dos eleitores está insatisfeita quanto ao modo como Obama vem conduzindo a questão; mas mais da metade está mais instisfeita ainda quanto ao comportamento dos republicanos.
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Ambos os lados dizem que não permitirão o Juízo Final - isto é - o que aconteceria caso os EUA não tenham o limite de sua dívida pública elevado no dia 2. O que aconteceria? O governo norte-americano entraria (seja lá com que nome for, default, reestruturação, alongamento, etc.) em moratória, teria de fechar agências em todas as frentes, inclusive na inteligência e na militar.
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No resto do mundo haveria uma situação equivalente a todos os filmes de catástrofes juntos. O maior credor individual da dívida norte-americana é a China: coisa de 1,3 trilhão de dólares. O segundo é o Japão: 900 bilhões. Ambas as economias congelariam. O Sudeste Asiático iria junto. A Oceania também. Com isso, a Europa entraria na idade do gelo, inclusive a Alemanha, que se orgulha de estar saindo bem na foto enquanto os países da periferia européia se afundam. Sem as exportações para a China e para o Sudeste Asiático a economia alemã entraria em recessão. A nova idade glacial chegaria rapidamente à América Latina, em particular ao Brasil, e à Africa também, que depende cada vez mais dos investimentos chineses, sem falar nos europeus e norte-americanos.
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Isso seria bom para as esquerdas? Nem pensar. As esquerdas estão relativamente fortes apenas na América do Sul e em alguns países da América Central. No resto do mundo as esquerdas continuam na UTI. Haveria uma intensificação da selvageria de direita no mundo inteiro, com o argumento do salve-se quem puder na idade do gelo universal.
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Uma das dificuldades que a equação norte-americana tem é a irracionalidade dos neo-republicanos do Tea Party, que preferem arriscar esse cenário sombrio em troca de verem a administração de Obama soçobrar. O presidente da Câmara, John Bohener, da ala mais moderada, ressoa um tanto esse rancor do grotão republicano com atitudes desrespeitosas que seguidamente vêm quebrando o que se considera o decoro de Washington. Várias vezes interrompeu negociações diretas com o presidente, saindo intempestivamente das reuniões; outras se recusou a atender telefonemas do próprio presidente, ou a responde-los.
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Isso mostra duas coisas. A primeira é que o establishment republicano e o que ele representa não digeriram a eleição de Obama. A segunda é que o destino do mundo está em parte nas mãos de uma penca de políticos provincianos (Tea Party), obtusos, reacionários, que não conseguem enxergar um palmo além do nariz dos seus preconceitos.
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A nós, que vamos na esteira desse Titanic desgovernado, só nos resta rezar. Inclusive os marxistas: reza de ateu conta em dobro, é hora extra.
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* Pescado aqui, no Com Texto Livre.
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