segunda-feira, 25 de julho de 2011

Itália e Inglaterra querem desprivatizar a água

A nossa água corre pelo duto errado!
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* Daniel Martini
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A (com razão) festejada Lei que instituiu a Política Nacional do Saneamento Básico (Lei nº 11445/07) criou a expectativa para todos nós da universalização do acesso à água e esgoto, através de um adequado planejamento das ações e políticas públicas, revertendo dados amplamente desfavoráveis nos aspectos de qualidade ambiental (sobretudo dos rios) e saúde pública (decorrente das condições ambientais que não atendem ao mínimo essencial para uma vida digna, sobretudo às populações mais expostas).
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Trouxe ela, também, a polêmica possibilidade da delegação dos serviços de saneamento básico, inclusive à iniciativa privada.
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Alegam os defensores da privatização que a prestação do serviço por particular não prejudicará o direito de acesso ao bem fundamental água, pois a Administração Pública continuará a regular o serviço e a garantir a não exclusão. Neste grupo encontram-se, em regra, grupos econômicos formados por capital internacional ou administradores público que – justiça seja feita – administram escassos cofres públicos incapazes de realizar os investimentos necessários para atender à meta “um”: universalização.
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Penso que este processo não pode ser realizado sem atender aos princípios democráticos e republicanos, sobretudo
a prévia oitiva da população diretamente interessada, bem como sem atentar para a experiência internacional, já que não vivemos isolados do mundo, ao contrário, a economia globalizada implica consequências muito semelhantes de uma determinada decisão em qualquer parte do mundo.
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Recentemente foi realizado um
referendum abrogativo na Itália (12 e 13 de junho) por iniciativa popular (1,4 milhões de assinaturas), em que 96% dos eleitores votaram pela abrogação do Decreto Ronchi, que privatizava a água naquele País. Isto porque pesquisadores da Universidade de Greenwich constataram que, a partir da privatização, na Inglaterra e Gales, modelos de privatização para a Itália, as tarifas subiram, os investimentos caíram, a qualidade da água piorou, enfim, a experiência não foi boa.
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Todos os argumentos neoliberais a favor da privatização foram derrubados por números neste estudo.
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A Authority – agência reguladora local (no caso da Inglaterra, Ofwat) – mostrou-se incapaz de regular qualquer coisa, por uma lógica simples: ocorreu o fenômeno da “assimetria informativa”, ou seja, na medida em que o Estado transferiu o saber e o fazer (know how) ao privado, este passou a deter o domínio da informação e o Estado passou a ser somente um mero ente limitado a interpretar os dados oferecidos pelo prestador privado, sem conhecer tecnologias e custos do prestador do serviço. Resultado disto, formação de oligopólios, manipulação de dados e aumento de tarifa (245%, 39% além da inflação no período de privatização).
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Outro argumento – usado em terras brasileiras – que caiu por terra foi a garantia do melhor negócio através do processo licitatório. Na Inglaterra, a Dama de Ferro chegou a poupar os ingleses da “ridícula pantomina” da licitação, para este que foi, segundo o jornal conservador Daily Mail, “
o maior roubo legalizado da história”, a privatização. Isto porque, à base do poder econômico, todos os elementos economicamente determinantes no momento da licitação foram renegociados muitas vezes ao longo dos contratos, sempre sob a base de dados fornecidos pelos próprios prestadores, sem que a Ofwat pudesse discuti-los, por ter transferido também o conhecimento ao setor privado.
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Há outros argumentos expostos no estudo, bastante interessantes, como a constatação de que os poucos investimentos realizados durante a privatização foram, de algum modo, suportados pelo erário (dinheiro público).
Os poucos investimentos privados, cujo mecanismo de mercado aplicado foi o full cost recovery, foram inteiramente repassados às tarifas, sem qualquer critério de justiça ou solidariedade social (como os subsídios cruzados). E delas aos dividendos dos acionistas das companhias prestadoras.
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Entretanto, argumentos podem ser derrubados com argumentos. A melhor retórica vence.
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Todavia, neste caso os resultados da privatização da água na Inglaterra e em Gales puderam ser medidos: nos primeiros 10 anos de privatização, as companhias inglesas cresceram à razão de 147%; 30% do valor total dos boletos bancários foram pagos aos acionistas mediante dividendos; as tarifas subiram 245%; diminuíram em 21% os postos de trabalho; aumentaram os acidentes ambientais; aumentaram as perdas de rede (chegaram a 40% em Londres); a qualidade da água, não raras vezes, atingia níveis inferiores aos standards exigidos pela União Européia, inclusive foram encontradas na água substâncias danosas à saúde.
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Enfim, as tarifas transformaram-se em preço, os cidadãos em consumidores, e a água, um bem vital, em mercadoria.
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Com isto, fácil entender o resultado do referendum italiano, bem como a decisão da maioria das cidades dos países onde a água já foi privatizada: a republicização.
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* Daniel Martini é Promotor Regional de Defesa do Meio Ambiente.

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O texto acima foi postado por Juremir Machado da Silva, no Correio do Povo, mas eu pesquei aqui, no Praia de Xangrilá. Os grifos em vermelho são deste blogueiro.
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