quinta-feira, 29 de abril de 2010

O dia em que comprei Viagra falso

O STJ decidiu ontem que daqui a dois meses, em 20 de junho, expiram os direitos de patente do Viagra, que pertencem à multinacional farmacêutica Pfizer.

Essa notícia é bem interessante. Agora, vai ser possível produzir genéricos para o potente medicamento contra disfunção erétil, o que vai resultar em grande redução no preço, segundo o Governo Federal. Avalia-se que o preço caia de R$.66,00 para cerca de R$.40,00, pela caixa com dois comprimidos. E sexo é bão, como diz o Temporão.

Esse negócio de Viagra me lembra uma das várias aventuras inusitadas da minha carreira policial. O dia em que comprei Viagra falso.

Na verdade, o Viagra em questão não era propriamente falso, e sim um similar contrabandeado do Uruguai, sem autorização para venda no Brasil. Acho que isso aconteceu em 2005 ou 2006, não lembro ao certo. Eu era Delegado em Dom Pedrito, e nosso Delegado Regional nos convocou pra auxiliar em uma operação de combate à pirataria, em Bagé.

Era uma operação grande, envolvia todos os policiais de Bagé, e de outras cidades da regional. O objetivo era cumprir mandados de busca de produtos pirateados, como DVDs de filmes, jogos e programas de computador. E também apreender todo tipo de contrabando ou descaminho.

O serviço foi bem montado, e investigação havia feito diligências também para identificar pessoas que estariam vendendo ilegalmente Citotec, um medicamento abortivo. E no curso do trabalho, descobriu que o atendente de uma farmácia do Centro estava vendendo, não Citotec, como desconfiavam, mas grande quantidade do tal Viagra “uruguaio”.

Na reunião para distribuição das tarefas, tive uma surpresa. Meu chefe disse que precisava de uma pessoa da minha faixa etária (42 na época) e aparência para se passar por consumidor, comprar o Viagra falso, e prender o meliante. A idade eu até compreendi, mas nunca havia pensado antes que me parecia com consumidor de Viagra.

Bueno, para encurtar o relato, montei uma equipe com três policiais de apoio, e me fui à farmácia. Combinei com eles que iria entrar com o telefone celular ligado, no bolso, e um ficariam escutando a conversa ali por perto. Quando eu dissesse uma palavra-senha, era porque estava pronto para realizar a prisão, então eles entrariam para me dar apoio.

Abre parêntese. Essa providência é muito importante, pois dar voz de prisão a alguém sem superioridade numérica é muitíssimo arriscado. Dizer “teje preso”, e o outro dizer “não tou” é uma catástrofe para o policial, pois deriva sempre ou para o uso de arma ou força física, e eventualmente para luta corporal.

Nessa situação, se vacilamos ou apanhamos do preso, perdemos o serviço e nos desmoralizamos. Por outro lado, se vamos até o fim, usamos a arma ou vencemos a luta corporal, sempre haverá alguém para nos acusar de abuso. De qualquer modo, saímos sempre perdendo. Então, sempre é adequado ter superioridade numérica, mesmo em operações aparentemente tranqüilas, como aquela. Fecha parêntese.

Bueno, ensaiado o trabalho, entrei na farmácia, e perguntei pelo Fulano, que veio me atender quase que imediatamente. Notei que ele era manco de uma perna, provavelmente seqüela de paralisia infantil. Mas ficou bem faceiro quando eu pedi para falar com ele em particular.

O cara me levou para trás de uma cortininha onde aplicam injeções, e perguntou o que eu desejava. Falei que queria comprar um Viagra barato. Ele prontamente disse que tinha, por R$.25,00 o comprimido. Comprei dois.

Durante a negociação, ele perguntou se eu tinha algum problema cardíaco, e eu disse que não, embora seja hipertenso. Perguntei se haveria alguma contra-indicação, e ele disse que não. E o pessoal do apoio escutando tudo, do outro lado.

Disse então a palavra-senha, e quando vi que meus colegas se aproximaram, falei para ele mais ou menos o seguinte: “Olha, meu nome é José Renato, sou policial civil, e tem um problema, aqui. Tu me vendeu um remédio proibido, isso é crime, e estou te dando voz de prisão em flagrante”. O cara quase desmaiou, chegou a dar pena.

Algemamos ele, o colocamos sentado, mandei fechar a farmácia, chamar o farmacêutico responsável que quase teve um xilique quando se deu por conta do que acontecia. O rapaz havia se formado um mês antes, e jurou que não sabia dos fatos. E eu até acho que ele estava sendo sincero. A mesma coisa com relação aos proprietários do estabelecimento, que chegaram logo depois. Fiquei convencido que os outros não sabiam da trampa, e prendi somente o rengo.

Chamamos a Vigilância Sanitária, que tomou os procedimentos de praxe, e interditou a loja. Em revista, eles encontraram mais 82 comprimidos escondidos no armário pessoal do atendente.

A partir daí, tudo foi feito "aos costumes". Levamos o preso e testemunhas para a Delegacia, onde foi feita a autuação em flagrante. O preso foi recolhido ao presídio local, e foi liberado no dia seguinte.

Até aí tudo bem. É como eu sempre digo, missão dada, missão cumprida.

Só que algum colega, safado que eu até hoje não descobri quem foi, mandou a notícia tintim-por-tintim para os jornais. E no dia seguinte, era manchete na página policial do Correio do Povo: “Delegado José Renato, se fazendo passar por consumidor de Viagra ...”. Minha mãe me telefonou de perguntando o que tinha acontecido, e até ela, acreditem, tirou sarro de mim. Disse que todo mundo em São Luiz estava achando a coisa muito engraçada.

Em Dom Pedrito, então, não tive sosssego por uns três meses. Toda hora alguém perguntava: “E aí, Delegado, não sobrou um comprimidinho para mim?”. Lá na Capital da Paz eles tem uma expressão para isso: fazer chapa. Ficaram fazendo chapa de mim um tempão. Até muito tempo depois, sempre tinha um ou outro velhinho que se aproximava e dizia: “Delegado, estou muito triste com o senhor ... acabaste com meu fornecedor”.

Menos mal que eu também sempre levei na esportiva. Aliás, a gozação até não era desagradável, e eu sempre fui uma “autoridade” bem acessível a todos.

Parece que o preso foi julgado, e condenado a uma pena pequena, substituída por prestação de serviços. Acho errado, porque ele foi absolutamente irreponsável. Deveria ter ficado nem que fosse um mês preso.

O produto que ele vendia, por exemplo, se fosse remédio mesmo, deveria ter um bom motivo para não ser liberado para venda no Brasil. Mas podia tanto ser um placebo, sem efeito nenhum, quanto ter qualquer coisa misturada que causasse efeitos colaterais graves. Além disso, o ladrão vendia os comprimidos praticamente pelo mesmo preço do original. Nem economia havia, portanto, para o consumidor-otário.

Agora, com o rebaixamento do preço como genérico, acho que o problema do contrabando vai diminuir.

Mas para ficar bem claro que é um genérico, acho que não deveria ser azulzinho, mas de outra cor qualquer. Vermelhinho, por exemplo. Também seria legal que tivesse um formato diferente do losango da Pfizer.

Quem sabe uma estrelinha vermelha?

Um comentário:

  1. Muito interessante a história. É por estas e outras que já existem o generico da categoria, como o Ah-Zul - http://www.grupemef.com.br/noticias_completa.php?not_id=346 -

    abs

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