No meio do ano de 2003, fui transferido para Dom Pedrito, assumindo a Delegacia daquela cidade. Estava lotado, antes, na Delegacia de Feitos Especiais da Corregedoria-Geral de Polícia, e queria na verdade ir para Pelotas, mas ouve algumas influências alheias e fui parar lá na Capital da Paz, onde acabei ficando por cinco anos.
Ao assumir a Delegacia, tomei conhecimento de uma situação, que para quem é de fora (não é policial) parece “surreal”, mas não surpreende a quem é do meio.
Havia na Delegacia um policial que estava lá há alguns, mas era de Livramento. Ele tinha família, mulher e duas filhas, também naturais da cidade vizinha. E queria desesperadamente ser liberado para retornar à sua cidade original, principalmene porque lá tinha uma casa de sua família para morar. Para um policial, que ganha pouco, economizar 300 ou 400 reais no aluguel é muito significativo, no orçamento familiar.
Depois de anos tentando a transferência, ele desistiu. Sempre diziam que não podiam liberá-lo sem que viesse outro policial para seu local. E para Dom Pedrito ninguém queria ir (e ainda não quer).
Só que a mãe do rapaz, uma senhora já idosa, ficava incomodada com aquilo, que para ela era uma injustiça, pois muitos outros policiais que haviam ido para Dom Pedrito depois de seu filho já haviam sido transferios, e ele ficava sempre para trás. E esses colegas, invariavelmente, conseguiam a transferência com algum político da cidade para onde queriam ir.
Então, em uma atitude desesperada, ela escreveu uma carta para o Secretário da Segurança da época, o José Paulo Bisol, pedindo que tivesse pena de seu filho. Só que a senhora era tão ingênua que mandou essa carta quando o Secretário já não era mais o Bisol, e sim o José Otávio Germano. Caindo a carta lá na Secretaria da Segurança Pública, o diligente novo Secretário mandou o documento para a Chefia de Polícia, que pelos canais competentes, instaurou sindicância contra o rapaz. O motivo: utilização de influência política para obter vantagem pessoal.
A base legal da sindicância foi um artigo do Estatuto dos Servidores da Polícia Civil, com a seguinte redação: “Interpor ou traficar influências alheias à Polícia, para solicitar acessos, remoções, transferências ou comissionamentos” (Lei Estadual nº 7.366, artigo 81, I).
É claro que, na sindicância, o rapaz foi “absolvido”, pois ficou comprovado que nem mesmo sabia da atitude de sua mãe. Mas sofreu um bom tempo, naquela angústia de quem, sendo inocente, não sabe se será punido ou não, procura advogado, planeja a defesa, etc. E só quem passa por esse tipo de aperto sabre o quando é difícil dormir, sem saber o que acontecerá amanhã. Depois, ele ainda continuou por mais um tempo “no ferro” lá em Dom Pedrito, antes de conseguir sua carta de alforria.
Não sei se esse artigo citado, do Estatuto da Polícia, é utilizado com frequência, na instituição. Tenho para mim que não, pois é sabido que são lamentavelmente frequentes as influências “alheias”, para transferência deste ou daquele servidor, muitas vezes exitosas.
E, deixemos claro, essas interferências externas, não ocorrem somente para beneficiar algum policial bem-relacionado, mas muitas vezes para prejudicar colegas, como nas tentativas de represálias a agentes ou delegados que, pela natureza da profissão, tenham se opostos a interesses escusos de figurões locais.
A história da Polícia Civil está repleta, por exemplo, de pedidos (ou exigências) de Prefeitos indiciados pedindo transferência de Delegados, Escrivães ou Inspetores.
Dependendo do caráter de quem está nos cargos de comando, essas influências prosperam ou não. Quando as chefias são ocupadas por homens e mulheres dignos da sua função, ciosos de sua posição institucional, e esse tipo de pedido “entra por um ouvido e sai pelo outro”. Mas às vezes, infelizmente, ocorre de haver pessoas menos firmes em cargos importantes, e nesse caso, existe até pressa em atender as “demandas”.
Em tais situações, não é difícil de ocorrer favorecimento a policiais “peixes” de políticos, como promoções ou lotações imerecidas. E muito menos difícil ainda, ocorrerem represálias contra policiais “incômodos”, na forma de transferências de cidade, troca de Delegacias, diminuição da remuneração de Delegados (pela retirada de substituições), e outras formas de assédio moral.
Temos muito a evoluir antes que a Polícia Civil possa se apresentar à sociedade como uma verdadeira Instituição. Uma Instituição com letra maiúscula. Vedar, verdadeiramente, interferências externas sobre decisões administrativas, especialmente as relativas a recursos humanos, talvez seja a primeira medida, nesse sentido.
Para mim, isso seria muito simples. Era só adotar aquele antigo slogan da política anti-drogas do Bush pai: Just say no. Basta dizer não. Honrar a profissão o suficiente para fazer isso: dizer não.
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Olha, procurei, procurei e não encontrei na Constituição Federal e na Estadual dispositivo que atribua aos prefeitos pedir transferência de policiais civis. Deve ser alguma regra de competência divina...
ResponderExcluirEssas "demandas" deveriam ser denunciadas. E o MP deveria investigar...
Que gozado, né? Nós não podemos interpor influências para conseguir transferências, mas "eles" aceitam essas influências para perseguir colegas.
ResponderExcluirO que mais me envergonha como morador da cidade de Não-Me-Toque/RS,é que José Otávio Germano, envolvido numa das maiores bandalheiras da história do nosso estado, desmascarada pela operação Rodim, ostenta o título de "Cidadão Não-Me-Toquense", concedido pela Câmara de Vereadores com direito à placa, diploma, sessão solene, comes e bebes caríssimos e votos favoráveis dos dois vereadores do PT.
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