ESTÓRIAS PARA CRIANÇAS
Eu sempre gostei de contar estórias para minhas filhas dormirem, quando elas eram pequenas. E como percebi que elas tinham fases, às vezes de querer todos os dias a mesma estória, outras vezes de exigir que fosse diferente da noite anterior, desenvolvi uma técnica de manter mais ou menos o mesmo enredo, mudando apenas os personagens.
Assim, contava para elas, num dia a estória do lobo mau e dos três porquinhos, no dia seguinte, a do gato mau e dos três ratinhos, depois, do porco mau e os três lobinhos, do rato mau e os três gatinhos, e por aí afora. Também fazia inversões, como no caso do lobo bom e os três porquinhos maus, o gato bom e os três ratinhos maus. Cada inversão permitia fazer vozes diferentes para os personagens, inventar características diferentes, tudo de forma a interagirmos, enquanto o sono não chegava. Era muito bom.
Depois de um tempo, deu até para começar a improvisar, contanto histórias da minha própria infância, com alguma finalidade educativa, como: “Era uma vez um menino chamado Josezinho Renatinho, que não gostava de tomar banho ...”, ou inventando personagens, para despertar a curiosidade das gurias, do tipo: “Era uma vez um ratinho que queria muito voar, então fez um aviãozinho de papel, e com uns arames o transformou numa asa delta ...”.
Acho mesmo que o importante não era qualidade do enredo, mas sim a interação, a convivência, a demonstração de que, naquele momento, toda a atenção do pai era exclusiva para elas. Afinal, passamos o dia todo dando atenção para os outros, para o chefe, o patrão, os clientes, pacientes, amigos, a militância ... e os fillhos, que deviam ter prioridade, são às vezes esquecidos, talvez justamente por estarem tão próximos.
Se não tomarmos cuidado, pode acontecer que nossa relação com as crianças seja apenas o seu sustento, e o fato de morarmos na mesma casa. E acharmos que vão se educar sozinhas, ou que isso é responsabilidade da escola. Nem vão ser educadas por outras pessoas, que não os pais, nem a educação é responsabilidade dos professores. Professor é para ensinar, mas a educação tem que vir de casa.
Tenho certeza que coisas simples assim, como contar estorinhas para dormir contribuem, e muito, para a formação das crianças. Quinze minutos por noite, é o que basta para contar algo que as faça dormir felizes, e ainda com o bônus de despertar a curiosidade para a leitura, como quando a gente utiliza algum livrinho com figuras.
Já andava meio esquecido disso quando, assistindo a minissérie Amazônia, lembrei da minha tristeza com o assassinato do Chico Mendes, anos atrás, e como contava para minha filha mais velha as aventuras do homem que amava as árvores, e protegia a floresta, os animais, os seringueiros e os índios(*).
Claro que eu fazia isso tirando o peso da luta de classes, que crianças devem ser poupadas disso. Nada de mencionar mortes ou matadores de aluguel, mas sim colocar o herói e seus amigos como os defensores da floresta, contra os malvados. Aliás, o Chico Mendes era bem isso, mesmo.
Mas reconheço que não conseguia fazer isso todos os dias. Não fui um pai perfeito, se é que isso existe, também tive minhas fases de ausência. Mas na média, acho que fui um bom pai, pelo menos nesse quesito de contar estorinhas. Agora, que as gurias cresceram, me dou conta que quem mais ganhou com aqueles momentos fui eu mesmo. Essa experiência, eu recomendo.
(*) Daqui duas semanas minha menininha se forma em Design Gráfico, na UFPEL. Eu já tinha contado isso, mas não faz mal nenhum repetir ...
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