domingo, 28 de fevereiro de 2010

A Teoria da Incomodação Zero

Domingo passado, resolvi jantar uma comidinha natural e saudável, aqui no Cassino. E enquanto esperava que aprontassem o xis-calabresa, fiquei folheando uma Zero Hora que estava por ali. Encontrei um texto muito interessante, de Juliana Salbego, Publicitária e Professora do Curso de Comunicação Social da Unipampa.

Eu nunca tinha ouvido falar do assunto (embora óbvio) que essa Professora abordou: a existência de uma "Teoria da Chateação Zero", ou "Incomodação Zero", segundo a qual os empregadores preferem os profissionais que "não incomodam". Os que não contestam, não reclamam, estão disponíveis para trabalhar a qualquer hora, e transigem em seus direitos trabalhistas. Por consequência, pessoas com esse perfil tem mais chance de "fazer carreira".

Achei bem interessante, pois isso acontece claramente. E não só na dita iniciativa privada, mas no serviço público também. Convivi com isso toda minha vida. E senti as consequências dessa "Teoria" inúmeras vezes, pois nunca me enquadrei no perfil de cordeiro. Mas nunca tinha ouvido falar que isso chegou ao ponto de gerar uma "Teoria".

Dizem que os mansos são bem aventurados, porque herdarão a terra. Pelo jeito, além de herdarem a terra, progredirão no serviço também. Os comentários na página digital da ZH onde foi postado esse texto são, na sua maioria, tristes, na base do "é isso aí mesmo", "é preciso satisfazer o empregador", etc.
Deve ser por isso que tem tantas pessoas se enquadrando nesse perfil.

Acho até que, nunca antes na história desse país, houve tanto pelego por aí ...

Mas o negócio é o seguinte: tenho que puxar o assunto para minha área, da segurança pública, e as relações são infinitas, sobre a "Teoria da Incomodação Zero" atuando em nosso meio. Não vou discorrer aqui, por motivos que bem podem ser imaginados, embora coubesse, sobre o perfil das pessoas que os governadores geralmente escolheram para ... deixa para lá.

Vou a outro ponto: a Pesquisa "O que pensam os profissionais da segurança pública, no Brasil", que mencionei um tempo atrás, indicou que grande número de policiais não denunciaria colegas que cometem atos ilegais. Sendo mais claro, uma minoria se dispõe a denunciar colegas corruptos.

Examinando a questão no meu universo de convivência, acho que esse comportamento também se amolda à tal teoria da "Incomodação Zero". A vontade de não se incomodar é o maior combustível da corrupção.

Nestes onze anos como policial, já encontrei colegas que não gostavam de receber denúncia de corrupção em seus setores. Isso pode ser notado, aliás, no hábito de enviar (chutar) para a Corregedoria muitas denúncias que o próprio superior hierárquico poderia imediatamente apurar, e na sequência, punir. Só que isso é difícil, faz nascer inimizades, incomoda.

Pior que isso, não são raros também os famosos "vira-canoa", em que por algum motivo misterioso o denunciante vira denunciado.

E os subordinados sabem isso, que muitas vezes denunciante é tratado como treze*. Se ele é que incomoda, ele é que perturba, então é ele o "errado". Acaba acontecendo que o melhor é não denunciar. Denunciando, incomoda. Não denunciando, fica tudo bem.

Mas eu, como já disse, nunca me enquadrei nesse perfil de cordeiro. Para mim, quem tem razão, nesse ponto, é o Protógenes, quando diz que quem trabalha para bandido, bandido é. Quem se omite quando deveria deter o bandido, também.

Reproduzo adiante, então, o texto da Professora Juliana Salbego. Boa leitura.

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"A TEORIA DA INCOMODAÇÃO ZERO

Os homens se distinguem dos animais, não porque têm consciência, já afirmavam teorias sociológicas do fim do século 19, mas porque produzem as condições de sua própria existência. Estas condições são, em grande parte, oriundas do trabalho, que sempre fez parte da vida humana. Contudo, desde que surge a propriedade privada capitalista, a relação de trabalho estabelecida entre empregador e empregado passou por muitas transformações.

O trabalho consistia em sinônimo de segurança, de um ambiente ordenado, regular, confiável e duradouro. Em uma época não tão distante, o imediatismo não figurava como valor maior, e a lógica do trabalho se assemelhava a uma construção: tijolo a tijolo, andar a andar, no trabalho lento, que findava com uma obra sólida e firme – a carreira.

Mas hoje o status do trabalho parece estar subvertido ou, ao menos, tem se revestido de características muito distintas das de outrora. O sociólogo polonês Zigmunt Bauman nos revela que o novo perfil do trabalhador, buscado pelas empresas, não é mais exatamente aquele que prima por um sujeito íntegro, enraizado em valores, com princípios e tradições sólidas. O mais novo filtro utilizado nesta escolha é de outra natureza. De acordo com Bauman, desde 1997, usa-se nos EUA uma expressão que designa o perfil de trabalhador que o mercado procura, o chamado “chateação zero”.

A expressão cômica, mas extremamente reveladora, nos mostra que o trabalhador que possuir menos fatores potenciais para chatear ou incomodar a empresa durante o seu labor será aquele com maior chance de conseguir a vaga. Por exemplo, um sujeito dotado de família e filhos tem o seu nível de chateação elevado, pois provavelmente não terá tanta flexibilidade para aceitar tarefas em qualquer horário ou local.

Ora, se você é um empregado que ousa questionar as relações e que procura cumprir as suas obrigações, cobrando dos demais o mínimo de responsabilidade, saiba que você possui um nível de chateação elevadíssimo. Vantajoso é ser alguém descomprometido com a realidade social, com laços afetivos frágeis e que possa estar sempre à disposição.

A preferência é por “empregados ‘flutuantes’, acríticos, descomprometidos, flexíveis, ‘generalistas’ e, em última instância, descartáveis (do tipo ‘pau pra toda obra’, em vez de especializados e submetidos a um treinamento estritamente focalizado)”, afirma Bauman. O mercado de trabalhadores é também um mercado de produtos.

Neste ambiente “líquido-moderno”, estendemos o retrato da prática do consumo para as demais instâncias da vida, como parece ocorrer com as atividades do trabalho. Uma predileção pela facilidade, desprendimento e individualização. Um produto é comprado, usado até perder o valor e depois descartado, pois uma imensidão de outros estará à disposição. O trabalhador assume, enfim, o status de descartável. Incomodando zero, disponível sempre e criticando nunca."

Um comentário:

  1. Pois é meu companheiro. Absoluta verdade. Lembro quando nossa instituição teve Chefes de Polícia como o Carvalho da Rocha. Como o Leonidas da Silva Reis que tinha no DPMo Aragon. Nauqloe tempo tinhamos chefias ocupadas por homens dignos e machos. Felizmente estou aposentado, pois nossa instituição vem sendo usada de forma vergonhosam por este desgoverno.recomendo a leitura de artigo meu que pode ser acessado no link a seguir:
    http://www.litoralmania.com.br/colunas.php?id=974

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