quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

De onde sai tanto político safado?

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A charge é de Amarildo, pescada no Tudo em Cima.
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Suspensa novamente privatização da água em São Luiz Gonzaga

Boas novas, neste dia bisexto.
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O Poder Judiciário local, por decisão cautelar da Dra. Gabriela Dantas Bobsin, suspendeu novamente o edital da privatização dos serviços de água e esgoto aqui em São Luiz Gonzaga.
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O Edital estava suspenso há cerca de três meses, por outra liminar da mesma juíza, tendo em vista existirem vários vícios no Edital, construído de forma a exluir sumariamente a Corsan da concocorrência. Havia exigências que impossibilidavam a empresa, que atende há décadas mais de 300 muncípios gaúchos, de disputar o certame. 
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Só para citar uma das irregularidades, existe uma cláusula que dá pontos para desempate por cidades já atendidas em outros Estados da Federação. A Corsan só atende no RS, então já sairia perdendo. Vejam só, pelo Edital, uma empresa qualquer, que atendesse três pequenos Múnicípios (população, se não me engano, de 10 mil habitantes) em Estados diferentes teria maior pontuação que a Corsan, que atende centenas de cidades do Rio Grande do Sul.
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O STJ, surpreendentemente, cassou essa liminar, sem mandar que tais irregularidades fossem sanadas.
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Só que havia um fato novo, que o STJ não abordou porque ocorreu posteriormente ao ajuizamento do recurso dos privatas, qual seja, que a AGERGS expressamente decidiu não homologar o Edital, tendo em vista as várias irregularidades. 
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Não é concebível que a Agência que regula o serviço tenha condenado o Edital, e a concorrência prossiga.
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Eu tinha decidido nem acompanhar mais essa questão, pois houve um encaminhamento extremamente equivocado do Governo Tarso, que por um lado diz que apóia a Corsan, mas por outro, através do Banrisul, está financiando a privatização, emprestando dinheiro à Odebrecht (Foz do Brasil) para que opere a concessão em Uruguaiana. 
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Não acreditam? Então, por favor, cliquem aqui.
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E lá em Uruguaiana, lembre-se, tomaram todo o patrimônio da Corsan, avaliado em 70 milhões de reais, que é do Estado, que por sua vez é Governado por Tarso Genro, e cujo instrumento financeiro é o Banrisul.
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Sou, seguramente, a pessoa que mais se prejudicou com toda essa disputa, pelas várias represálias que sofri (e ainda sofro), na minha vida funcional, desde o momento que aderi à luta. Quem não conhece o caso, pode ter uma idéia do que falo clicando aqui.
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E daí decidi não me desgastar mais, defendendo a Corsan, que Tarso Genro, que tem todas as garantias e foi eleito para isso, não defende.
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Mas não posso deixar de ficar muito feliz com a decisão, já que a privatização representa não só a bancarrota de São Luiz Gonzaga, no momento em que for condenada a indenizar a Corsan, mas também a permissão para que as empresas privadas finquem seus ferrões no Aquífero Guarany, na cabeça de ponte que estão fazendo para vender nossa água, engarrafada, a preço de ouro, daqui a alguns anos.
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Parabéns ao Giovane a ao Vilson, que assinaram a Ação Popular que resultou nessa liminar, e mais ainda, aos advogados Rodrigo Veleda Martins e Charles Leonel Bakalarczyk, que redigiram a peça.
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A íntegra da liminar pode ser lida aqui, no site do Tribunal de Justiça.
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E vamos lá, porque a luta é contínua.
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terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Dê-me um imbecil, e eu lhe darei o mundo.

Por Marcelo Migliaccio (Blog Rio Acima)

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O bem mais valorizado hoje em dia não é o ouro, nem o dólar, nem o petróleo, nem a cocaína.
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O bem mais valioso na atual sociedade de consumo é o imbecil.
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Um imbecil tem um valor inestimável para o sistema produtivo. Dê-me um imbecil e eu lhe darei o mundo.
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Agora vamos à explicação para teoria tão esdrúxula (ok, admito):
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Em todas as profissões, todos os chefes, diretores executivos, sócios majoritários e presidentes de empresas procuram desesperadamente por imbecis no mercado. Não há nada melhor que nomear um imbecil para o cargo imediatamente abaixo do seu. Ele nunca o ameaçará e jamais tomará seu lugar. Cumprirá as ordens mais absurdas sem pestanejar. Mesmo que esta ordem seja fatal para o destino da empresa ou da instituição, o imbecil jamais vai contestá-la. Cumprirá cegamente a determinação mesmo que isso o leve, a médio prazo, para a fila do seguro-desemprego.
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E assim vão sendo nomeados gerentes, assistentes de direção, editores-adjuntos, assessores parlamentares, chefes de gabinete, ajudantes de ordem e uma série de outros cargos notoriamente ocupados por imbecis _ salvo as honrosas e lúcidas exceções, nas quais você, que já está pensando em me xingar, certamente se enquadra.
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Essa gente deixa seus chefes absolutamente tranquilos, porque não terá competência, ímpeto ou talento para roubar-lhes o lugar.
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Os anúncios de emprego deveriam colocar, ao lado da boa aparência, do domínio do idioma inglês e da pós-graduação, o requisito fundamental: que o candidato seja um irremediável imbecil.
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Uma das razões para o imbecil cumprir à risca tudo o que lhe mandam fazer é que ele é um imbecil.
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A outra razão é que todo o imbecil é, por definição, um medroso. Com pavor de perder seu emprego, o imbecil nem de longe pensa em questionar qualquer incumbência que lhe dão.
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Talvez por isso o mundo tenha desenvolvido e dado poderes quase sobrenaturais à mais perfeita fábrica de imbecis que existe: a televisão. Desde que a criança nasce, seus pais – que não têm saco ou tempo para educá-la – entregam  a pobrezinha à babá eletrônica.
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Como os professores das escolas públicas e particulares são na maioria dos casos um punhado de imbecis (não estou generalizando, falo apenas da maioria), os estabelecimentos de ensino não oferecem o contraponto necessário ao lixo que é despejado na cabeça de meninos e meninas desde a mais tenra idade pela TV.
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O resultado é que, deseducada por sumidades como Ratinho, Luciana Gimenez, o casal telejornal, Adriane Galisteu e pelos autores de novelas das nossas emissoras, a criançada se transforma, lá pelos 10, 12 anos, em indivíduos sem senso crítico, sexistas, preconceituosos, consumistas, racistas, agressivos e machistas (inclusive as garotas).
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O imbecil não tem senso crítico, ele não contesta, não analisa, não raciocina. Se é Carnaval, ele pula. Se é Natal, ele compra. Se é Réveillon, ele vai para a praia ver os fogos...
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Agora (*), imbecil é até eleito para a Academia Brasileira de Letras...
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E assim vamos renovando a manada de imbecis que transformaram nosso planeta nesta bela festa injusta e poluída.
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* Nota do Blogueiro: na verdade, não é de agora que imbecis são eleitos para a ABL.
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Enquanto isso, lá no Banrisul...

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A charge é de Kayser, pescada aqui.
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¿Salvar vidas o salvar el capital?

Por Frei Betto
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Cuatro días antes de la Navidad, 523 instituciones financieras europeas recibieron el mejor regalo de Papá Noel: 489 mil millones de euros, prestados por el BCE (Banco Central Europeo) al interés del ¡ 1% anual!
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Es curiosa la lógica que rige el sistema capitalista: nunca hay recursos para salvar vidas, para erradicar el hambre, para reducir la degradación ambiental, para producir medicamentos y distribuirlos gratis... Pero tratándose de la salud de los Bancos, el dinero aparece en un abrir y cerrar de ojos. ...
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Sin embargo hay un aspecto preocupante en tamaña generosidad: si fueron tantas las instituciones que se pusieron en la fila del BCE es señal de que no caminan muy bien.
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¿Cuáles son los fundamentos de esa lógica que considera más importante salvar el Mercado que las vidas humanas? Uno de ellos es este mito de nuestra cultura: el sacrificio de Isaac por Abrahán (Génesis 22,1-19). En dicho relato Abrahán debe probar su fe sacrificando a Yahvé su único hijo, Isaac. En el momento preciso en que, en lo alto de un monte, prepara el cuchillo para matar a su hijo, aparece un ángel que impide a Abrahán consumar el hecho. La prueba de fe ya fue dada por su disposición a matar. En recompensa, Yahvé cubre a Abrahán de bendiciones y le multiplica su descendencia como las estrellas del cielo o las arenas del mar.
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Desde la óptica del poder esa lectura pone a la muerte como camino para la vida. Toda gran causa -como la fe en Yahvé- exige pequeños sacrificios que acentúen la magnitud de los ideales abrazados. De ese modo la muerte provocada, fruto del desinterés del Mercado por las vidas humanas, pasa a integrar la lógica del poder, como el sacrificio ‘necesario’ del hijo Isaac por el padre Abrahán, en obediencia a la voluntad soberana de Dios.
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Abrahán era el intermediario entre el hijo y Dios, así como el FMI y el BCE hacen de puente entre los bancos y los ideales de prosperidad capitalista de los gobiernos europeos, que para escapar de la crisis deben ofrecer sacrificios.
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Esa misma lógica informa el inconsciente del patrón que bloquea el salario de sus empleados con el pretexto de capitalizar y así multiplicar la prosperidad general y crear más empleos. También lleva al gobierno a acusar a las huelgas como responsables del caos económico, aun sabiendo que son originadas por los bajos salarios pagados a quienes trabajan tanto sin alcanzar nunca la recompensa de una vida digna.
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El dios de la razón del Mercado merece, como prueba de fidelidad, el sacrificio de todo un pueblo. Todos los ideales están preñados de promesas de vida: la prosperidad de los bancos acreedores, la capitalización de las empresas, el ajuste fiscal del gobierno. Se salva lo abstracto en detrimento de lo concreto, que es la vida humana.
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Lo espantoso de esa lógica es admitir, como mediación, la muerte anunciada. Se mata cruelmente a través del corte de los subsidios a programas sociales; del revocamiento de las relaciones laborales; del incentivo al desempleo; de los ajustes fiscales draconianos; del rechazo a conceder a los jubilados la calidad de una vejez decente.
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La lógica cotidiana del asesinato es sutil y esmerada. Los que tienen admiten como natural el despojo del que no tiene. Cualquier amenaza a la lógica acumulativa del sistema es una ofensa al dios de la libertad occidental o de la libre iniciativa. Se exige el sacrificio como prueba de fidelidad. No importa que Isaac sea el hijo único. Abrahán debe probar su fidelidad a Yahvé. Y no hay mayor prueba que la disposición a matar la vida más querida.
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La lógica de la vida, sin embargo, encara el relato bíblico con los ojos de Isaac. Éste no sabía que sería asesinado, hasta el punto de que le preguntó a su padre que dónde estaba el cordero destinado al sacrificio. Abrahán cumplió todas las condiciones para matar al hijo: le unció, le ató, le puso sobre la leña preparada para la hoguera y empuñó el chuchillo para degollarlo.
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Sin embargo, advertido por el ángel, Abrahán se detuvo. No aceptó la lógica de la muerte. Rechazó el precepto que obligaba a los padres a sacrificar a sus hijos primogénitos. Rechazó las razones del poder. Ante la ley que exigía la muerte, Abrahán respondió con la vida y arriesgó la suya propia, lo que le obligó a cambiar de residencia.
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Si no cambiamos de residencia -sobre todo en el modo de encarar la realidad-, como Abrahán, continuaremos dando culto y adoración a Mammón. Continuaremos empeñados en salvar el capital en lugar de las vidas, y mucho menos la salud del planeta.
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Fuente: Rebelión, via Telesur
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domingo, 26 de fevereiro de 2012

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Diálogo entre médico e policial

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Médico: Você trabalha há muito tempo na polícia?
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Policial: Dez anos.
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Médico: Já salvou muitas vidas?
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Policial: 50% das pessoas que atendi. E o senhor?
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Médico: Sou médico há cinco anos e salvei 90% das pessoas que atendi.
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Policial: Sua ferramenta de trabalho é eficiente Dr.?
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Médico: Razoável... bisturí, estetoscópio, remédio, diagnosticadores, etc...
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Policial: Então ambos temos a missão de salvar vidas não é?
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Médico: Sim, mas eu salvo 90% das pessoas que atendo e você, somente 50%.
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Policial: Então Dr... tente salvar vidas utilizando uma ferramenta fabricada exclusivamente para matar, como eu uso...
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Médico: Mas se alguém perde a vida em minhas mãos, arrisco perder a credibilidade.
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Policial: Se alguém perde a vida em minhas mãos, também arrisco perder a credibilidade. Em seguida, ir pra cadeia, perder o emprego e gastar o que não tenho com advogados.
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Médico: Então porque você ainda insiste em ser policial com estas condições profissionais e esse salário de fome?
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Policial: Porque acredito que ainda posso fazer a diferença em ajudar os que necessitam. Afinal, sou integrante da única instituição que atende ao cliente gratuitamente através de um simples aceno de mão, sem perguntar sequer o seu nome.
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Achei este texto no Facebook, não sei quem é o autor. É bem curtinho, mas expressa grandes verdades. 
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Com a postagem, me solidarizo com o Delegado Leonel Fagundes Carivali, que passa por um momento muito difícil. O infortúnio que ocorreu com o Carivalli poderia ter acontecido com qualquer policial que não se esconda do serviço - eu, inclusive. Força aí!
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sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Começar do começo, de novo

* Slavoj Žižek, via Editora Boitempo.
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Existe uma anedota (apócrifa, é verdade) sobre a troca de telegramas entre quartéis generais alemães e austríacos durante a Primeira Guerra Mundial: os alemães mandam uma mensagem: “aqui, de nosso lado do front, a situação é séria, mas não catastrófica”, a que respondem os austríacos: “aqui, a situação é catastrófica, mas não séria”.
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Não seria esta a maneira como nós, cada vez mais, ao menos no mundo desenvolvido, nos relacionamos com nossa situação global? Todos nós sabemos sobre a catástrofe iminente – ecológica, social –, mas de alguma forma não podemos levá-la a sério.
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Em psicanálise chamamos esta atitude de virada fetichista: “Eu sei muito bem, mas …” (eu não acredito realmente), e tal virada é a clara indicação da força material da ideologia, que nos faz recusar aquilo que vemos e que sabemos.
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Como chegamos até aqui?
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Quando, em 1922, depois de vencer a Guerra Civil contra todos os adversários, os bolcheviques tiveram de retroceder para a NEP (a “Nova Política Econômica” que permitiu uma interferência muito maior da economia de mercado e da propriedade privada), Lênin escreveu um pequeno texto “On Ascending a High mountain” (Escalando uma montanha).
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No texto, Lênin usa o símile de um escalador que tem de recuar ao pé da montanha para empreender uma nova tentativa de atingir o pico, para descrever o que um retrocesso significa num processo revolucionário, isto é, como alguém pode retroceder sem oportunisticamente trair sua fidelidade à Causa.
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Depois de enumerar os sucessos e fracassos do estado Soviético, Lenin conclui: “Comunistas que não têm ilusões, que não se rendem ao desânimo, e que preservam a força e a flexibilidade ‘para começar desde o começo’ de novo e de novo, frente a uma tarefa extremamente difícil, não estão fadados ao erro (e muito provavelmente não perecerão).”
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Este é Lênin em seu melhor estilo Beckettiano, ecoando o sentido de Worstward Ho: “Tente novamente. Fracasse novamente. Fracasse melhor” [Try again. Fail again. Fail better].
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Sua conclusão – começar do começo de novo e de novo – deixa claro que ele não está falando de desacelerar o progresso e fortalecer o que já se conquistou, mas precisamente descer novamente ao ponto inicial: devemos “começar do começo” e não de onde conseguimos chegar no primeiro esforço da escalada.
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Em termos kierkegaardianos, um processo revolucionário não é um progresso gradual, mas um movimento repetitivo, o movimento de repetir o começo de novo e de novo… e aqui é exatamente onde estamos hoje, depois do “desastre obscuro” de 1989, o fim definitivo da época que começou com a Revolução de Outubro.
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Devemos, portanto, rejeitar a continuidade com aquilo que a Esquerda significou nos últimos dois séculos. Embora momentos sublimes como o clímax jacobino da Revolução Francesa e a Revolução de Outubro permanecerão para sempre um momento chave de nossas memórias, essas histórias chegaram ao fim, tudo deve ser re-pensado, devemos começar do ponto-zero.
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Alain Badiou descreveu três formas distintas de fracasso para um movimento revolucionário.
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Primeiro, existe, é claro, a derrota direta: alguém é simplesmente esmagado pelas forças inimigas.
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Depois existe a derrota na própria vitória: alguém vence o inimigo (temporariamente, pelo menos) pela incorporação da principal agenda política do inimigo (o objetivo é tomar o poder estatal, na forma democrático-parlamentar ou numa direta identificação do Partido com o Estado).
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Acima destas duas versões existe, talvez, a mais autêntica, mas também mais aterrorizadora forma de fracasso: guiado pelo instinto correto que diz que qualquer consolidação da revolução num novo poder estatal é igual à sua traição, porém incapaz de inventar e impor sobre a realidade social uma verdadeira ordem alternativa, o movimento revolucionário se engaja numa estratégia desesperada de proteger sua pureza pelo recurso “ultra-esquerdista” de terror destrutivo. Badiou habilmente chama esta última versão de “tentação sacrificial do vazio” (sacrificial temptation of the void).
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Um dos maiores slogans maoístas dos anos vermelhos era: “ouse lutar, ouse vencer”.
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Mas sabemos que, se não é fácil seguir este slogan, se a subjetividade tem medo não tanto de lutar, mas de vencer, é porque lutar a expõe ao simples fracasso (o ataque não foi bem sucedido), enquanto vencer a expõe ao mais temível dos fracassos: a consciência de que se venceu em vão, que a vitória prepara repetição, restauração. Que uma revolução nunca é algo além de um “entre-dois-Estados”.
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É daqui que a tentação sacrificial do vazio aparece. O inimigo mais temível das políticas de emancipação não é a repressão pela ordem estabelecida. É a interioridade do niilismo, e a crueldade sem limites que pode acompanhar este vazio.”
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O que Badiou diz efetivamente aqui é o exato oposto do “Ouse vencer!” de Mao – deve-se ter medo de vencer (de tomar o poder, estabelecer uma nova realidade sóciopolítica), porque a lição do século XX é que ou a vitória termina em restauração (retorno à lógica de poder do Estado) ou é capturada pelo ciclo auto-destrutivo da purificação.
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É por isso que Badiou propõe substituir purificação por subtração: em vez de “vencer” (tomar o poder) devemos criar espaços subtraídos do Estado.
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Ele não está sozinho. Um medo ronda a (o que quer que reste da) esquerda radical de hoje: o medo de confrontar-se diretamente com o Poder de Estado. Aqueles que ainda insistem em lutar contra o Poder estatal, deixado sozinho no comando, são imediatamente acusados de ainda estarem presos ao “velho paradigma”: a tarefa de hoje é resistir ao Poder estatal recuando de sua esfera de atuação, subtraindo-se dele, criando novos espaços fora de seu controle.
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Este dogma da esquerda contemporânea é melhor capturado pelo título do novo livro-entrevista de Tony Negri: Adeus, Senhor Socialismo!. A idéia é que a época da velha esquerda em suas duas versões, reformista e revolucionária, ambas as quais pretendiam tomar o poder do Estado e proteger os direitos coorporativos da classe trabalhadora, acabou.
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Mas esta análise se sustenta? A primeira coisa a fazer é empreender uma fórmula mais complexa do Partido-Estado como a figura que definiu o Comunismo do século XX: sempre houve uma lacuna entre os dois, o Partido permaneceu a semi-escondida sombra obscena que remontava à estrutura do Estado.
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Não há necessidade de demandar uma nova distância política em relação ao Estado: o Partido é essa distância, sua organização dá corpo a uma forma fundamental de desconfiança do Estado, dos seus órgãos e mecanismos, como se precisassem ser controlados, mantidos sob vigilância a todo tempo. Um verdadeiro Comunista do século XX jamais aceitou completamente o Estado: sempre teve de haver uma agência vigilante fora do controle das leis (do Estado) e com poder de intervir no Estado.
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Segundo ponto: 1989 representou não apenas a derrota conjuntural do socialismo de estado e das sociais-democracias ocidentais – a derrota vai muito mais fundo. O raciocínio da Esquerda após 1989 era: a estratégia de tomar o poder falhou miseravelmente em seus objetivos, de modo que a Esquerda deveria adotar uma estratégia diferente, a primeira vista mais modesta, mas, de fato, muito mais radical: recuar do poder estatal e concentrar-se em transformar diretamente a própria textura da vida social, as práticas cotidianas que sustentam todo o edifício social.
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Essa posição teve a forma mais elaborada com John Holloway: “como fazer uma revolução sem tomar o poder?”.
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A principal forma de democracia direta de multidões “expressivas” no século XX foram os chamados conselhos (“sovietes”) – (quase) todo mundo no Ocidente os amava, até mesmo liberais como Hannah Arendt que percebia neles um eco da velha vida grega na pólis. Ao longo da era do Socialismo Realmente Existente, a esperança secreta dos “socialistas democráticos” era a democracia direta dos “sovietes”, os conselhos locais como formas de auto-organização do povo; e é profundamente sintomático como, com o declínio do Socialismo Realmente Existente, essa sombra emancipatória que rondava a todo o momento também desapareceu.
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Não será essa a maior confirmação do fato que a versão-conselho do “socialismo democrático” era apenas um duplo espectral do “burocrático” Socialismo Realmente Existente, a transgressão inerente sem substancial conteúdo positivo propriamente seu, i.e., incapaz de servir como o princípio organizador e permanente de uma sociedade?.
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O que tanto Socialismo Realmente Existente como a democracia-de-conselhos tem em comum é a crença na possibilidade de uma organização auto-transparente da sociedade que superasse a “alienação” política (aparelhos estatais, regras institucionalizadas da vida política, ordem jurídica, polícia etc.) – e não seria a experiência básica do fim do Socialismo Realmente Existente precisamente a rejeição desta característica comum, a resignada aceitação pós-moderna do fato de que a sociedade é uma rede complexa de “subsistemas”, razão pela qual um certo nível de “alienação” é constitutivo da vida social, de forma que uma sociedade totalmente autotransparente é a utopia com potenciais totalitários.
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Não é à toa que o mesmo vale para as práticas contemporâneas de “democracia direta” das favelas, a cultura digital “pós-industrial” (as descrições das novas comunidades “tribais” de hackers não evocam freqüentemente a lógica da democracia-de-conselhos?): todas tem de apoiar num aparelho de estado, i.e, por razões estruturais, elas não podem dominar todo o espaço.
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A máxima de Negri “não há governo sem movimentos” deve ser contestada com “não há movimentos sem governo”, sem o poder estatal que sustente o espaço para os movimentos. É esta tensão entre democracia representativa e direta expressão dos “movimentos” que nos permite formular a diferença entre um partido político democrático comum e o Partido “mais forte” (como o Partido Comunista): um partido político comum assume plenamente sua função representativa, toda sua legitimação é dada pelas eleições, enquanto o Partido considera secundário o procedimento formal das eleições democráticas, em relação à dinâmica propriamente política dos movimentos que “expressam” sua força.
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Slavoj Žižek nasceu na cidade de Liubliana, Eslovênia, em 1949. É filósofo, psicanalista e um dos principais teóricos contemporâneos. Transita por diversas áreas do conhecimento e, sob influência principalmente de Karl Marx e Jacques Lacan, efetua uma inovadora crítica cultural e política da pós-modernidade. Professor da European Graduate School e do Instituto de Sociologia da Universidade de Liubliana, Žižek preside a Society for Theoretical Psychoanalysis, de Liubliana, e é um dos diretores do centro de humanidades da University of London. Dele, a Editora Boitempo publicou Bem-vindo ao deserto do Real! (2003), Às portas da revolução (escritos de Lenin de 1917) (2005), A visão em paralaxe (2008), Lacrimae rerum (2009) e Em defesa das causas perdidas (2011)
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terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

O tempo não para, e a luta de classes também...

O Camarada Cazuza cantava que "o tempo não para. A luta de classes também não, apesar de, em determinados momentos históricos, como o nosso, se dar em formatos quase imperceptíveis a um observador desatento. Parece tudo disputa economicista. Por isso, gostei do texto adiante postado, do Vladimir Pomar, publicado originalmente no Correio da Cidadania. Quem me mandou o escrito foi João Couto, combativo verador da nossa querida Candiota
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Amanhã vou postar um artigo do Slavoj Zizëk, mandado pelo José Fonseca. Nessa verdadeira geléia em que estamos, tudo o que nos fizer pensar um pouco, contribui um muito.
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Luta de Classes
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Escrito por Wladimir Pomar
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Parece que boa parte da esquerda ainda não saiu da perplexidade de ter um governo central dirigido por uma coalizão política de socialistas e comunistas, da qual participam democratas liberais e conservadores de diferentes tipos. Essa perplexidade, como comentamos em artigos recentes, se reflete na emergência de dois novos tipos de análise, ambos relacionados com a possibilidade ou não do desenvolvimento da luta de classes no Brasil.
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Uma dessas análises conclui simplesmente que a melhoria das condições de vida do povo amortece seu espírito de luta e é um impeditivo para o crescimento da luta de classes. O exemplo histórico das classes operárias norte-americana e européia, particularmente após a segunda guerra mundial, poderia ser um exemplo a ser esgrimido por essa análise que, no fundo, advoga a tese de que quanto pior, melhor.
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O problema, que ela não responde, é se estão se criando no Brasil as mesmas condições que permitiram, aos Estados Unidos e à Europa, instaurarem vastos sistemas de exploração e transferência de riquezas dos países do terceiro mundo para eles. Sistemas que permitiram a tais países satisfazer as demandas salariais e de assistência social da maior parte de seus trabalhadores e criar, inclusive, uma aristocracia operária.
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Embora o Brasil tenha ingressado num processo tentativo de realizar o crescimento econômico com redistribuição de renda, não há indícios de que o capitalismo e a burguesia brasileira tenham condições de explorar países periféricos e organizar um processo mais profundo de redistribuição de grandes migalhas, como fizeram os norte-americanos e europeus, amortecendo as lutas dos trabalhadores. Ainda mais que esses sistemas de transferência de riquezas estão sendo minados, cada vez mais, pelas transformações estruturais do próprio capitalismo, o que começa a obrigar os trabalhadores norte-americanos e europeus a retomarem a luta de classes.
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A outra análise reconhece que o desenvolvimento do capitalismo está promovendo a conformação da classe trabalhadora brasileira como força ativa, tanto por seu crescimento quantitativo, quanto pela retomada de lutas por aumentos salariais, dignidade no trabalho, melhoria nas condições de transporte, moradia, saúde e segurança. No entanto, ela supõe que as novas lutas que estão surgindo parecem não caber perfeitamente no pacto de poder atualmente existente.
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No contexto desse pacto de poder inexistiriam canais por onde os movimentos sociais pudessem fazer demandas institucionais. Isso estaria levando o Brasil a um paradoxo. Por um lado, ele parece viver um momento de radicalização em sua base social, fruto do recente crescimento do capitalismo e de suas contradições. Por outro, ele parece assistir às organizações políticas de esquerda engolfadas em disputas institucionais, sem que seus militantes possam diferenciar o desenvolvimento na nação das pretensões individuais de ascensão pessoal.
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Em outras palavras, essa avaliação comprova que a luta de classes talvez esteja retomando, inclusive de forma radicalizada, enquanto grande parte da militância de esquerda talvez não esteja se dando conta dessa retomada, nem saiba como tratá-la. Isso apenas demonstra que não são as militâncias políticas, por mais esclarecidas e revolucionárias que sejam, que desenvolvem a luta de classes. Esta, historicamente, tem seu próprio ritmo e emerge de contradições econômicas, sociais e políticas reais e determinadas.
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Em geral, mesmo quando a militância política não está antenada na evolução dessas contradições, a luta de classes rompe com possíveis barreiras ou canais estreitos que impedem a promoção de suas demandas.
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Muitas vezes faz isso contra as próprias instituições, forja suas próprias lideranças, e conquista suas reivindicações através de diferentes formas de luta. A história da classe operária do ABC, durante o regime militar, é um exemplo bem nosso desse processo.
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Portanto, se há uma parte da militância e das lideranças engolfada nas disputas institucionais, isso se deve em parte ao fato de que a classe operária emergente no Brasil ainda não sacudiu essa militância e lideranças como deveria. Ela é uma nova classe operária, diferente daquela do ABC, no final dos anos 1970. Está em processo de recomposição, tem pouca experiência de luta, e ainda não mostrou sua potencialidade.
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É lógico que boa parte da militância de esquerda poderia estar trabalhando na base dessa classe e de outras classes populares da sociedade brasileira, vivenciando e contribuindo para sistematizar suas pequenas experiências de luta, que existem, e para elevar sua consciência de classe. No entanto, mesmo que essa militância esteja empenhada nessa missão estratégica, isto não quer dizer que ela conseguirá alavancar imediatamente grandes movimentos classistas. Ela simplesmente estará junto com essas classes, e em condições de orientá-las, no momento em que decidirem lutar.
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Nesse sentido, convém analisar com mais atenção as lutas e conflitos recentes envolvendo algumas camadas de trabalhadores e outros setores populares. Em primeiro lugar, eles mostram que, apesar das melhorias nas condições de vida, e talvez principalmente por causa delas, esses trabalhadores já não suportam a continuidade de certas condições herdadas do período neoliberal.
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Super-exploração, como nos casos de Jirau, Santo Antônio e alguns canteiros de obras; transportes ineficientes, como nos casos de ônibus em Brasília e Goiás, metrô de São Paulo e Supervia, no Rio; educação deficiente, saúde maltratada, salários baixos e outras distorções presentes na sociedade brasileira: tudo isso tem sido motivo para lutas em diversos pontos do território nacional.
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Por não suportarem mais essas mazelas, e também por falta de lideranças experientes, quase todas as camadas que protagonizaram essas lutas têm apresentado uma radicalização que, aparentemente, se confronta com a postura do governo federal em não criminalizar nenhuma luta democrática e popular.
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O que deveria alertar a esquerda para o fato de que o desenvolvimento capitalista, mesmo com distribuição de renda, não impede as lutas de classes. Mas, sem uma esquerda participante, para fazer com que tais lutas sejam travadas com razão e com limite, elas podem colocar o governo democrático e popular contra a parede e abrir janelas por onde a direita crie um ambiente de insegurança e pânico.
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