* por Mauro Santayana
O direito de greve é historicamente associado ao conflito entre o capital e o trabalho. Não é preciso retomar o pensamento clássico da esquerda para entender que o trabalhador deve ter o direito de cruzar os braços quando, em seu entendimento, as condições impostas pelos patrões se tornam insustentáveis.
Na realidade, quem tem apenas a capacidade de seus braços; de sua inteligência; ou de sua habilidade em operar as máquinas, tem o inalienável direito de se recusar a continuar dentro das mesmas condições, e de exigir, mediante a interrupção do trabalho, novo trato. No ordenamento jurídico do Estado de Direito, a Justiça (em nosso caso, a do Trabalho) é chamada a intervir no conflito e buscar a conciliação entre as partes.
Os Estados modernos exercem o monopólio constitucional da violência, embora deleguem esse direito – que não poderia ser estendido a ninguém – a organizações privadas de segurança. Esta é mais uma deformação do Estado de Direito, que a sociedade não deve admitir. Deixando de lado essa anomalia anti-republicana e antidemocrática, convém meditar o papel das forças de segurança.
As corporações policiais, dos Estados e da União, são instituições construídas a fim de exercer a coerção, em nome do Estado, para o cumprimento das leis e da manutenção da ordem pública. Cabe-lhes prevenir e investigar os delitos, cumprir as ordens judiciais e assegurar a incolumidade dos cidadãos. Às Forças Armadas, além de garantir a inviolabilidade do território nacional, incumbe garantir a ordem interna, desde que convocadas por um dos três poderes republicanos. O Exército não pode substituir a polícia, mas tem o dever de reprimir os policiais amotinados.
Os policiais e militares, nas sociedades contemporâneas, não podem ser definidos como simples trabalhadores. É difícil aceitar que, como servidores públicos encarregados de garantir o pleno funcionamento dos estados, tenham o direito de ameaçar a administração e, mais do que ela, a República. Podem exercer o direito de reivindicar seus possíveis direitos junto às várias esferas do Estado, conforme garante o sistema democrático, mas não podem fugir ao cumprimento de seu dever para com o povo – o povo que, mediante os impostos, mantém os Estados e os seus funcionários.
Em razão disso, a Constituição é clara, quando nega aos militares – a todos os militares, subordinados funcionalmente à União ou aos Estados – o direito de sindicalização e de greve, no item IV do parágrafo terceiro de seu artigo 142.
Mas não apenas os policiais militares estão impedidos de paralisar as suas atividades: os policiais civis também estão sujeitos à norma, conforme assegurou o STF, pelo pronunciamento de seus ministros Eros Grau, sobre a greve de policiais civis de São Paulo (em 2008), e César Peluso, sobre greve idêntica no Distrito Federal, em novembro do ano passado.
A greve dos policiais militares da Bahia é um claro movimento de rebelião contra o Estado, e assim deve ser tratada. O governo federal agiu como deve agir, em qualquer situação semelhante. A solidariedade federativa, necessariamente exercida pela União, implica no emprego de toda a força possível, a fim de assegurar o cumprimento das normas constitucionais, como a que veda a militares – e, por analogia jurídica – a policiais civis, o recurso da greve.
Recorde-se a corajosa atitude tomada pelo presidente Itamar Franco, quando a Polícia Federal decidiu paralisar as suas atividades na capital da República. Ainda que Itamar, na análise dos fatos em seu gabinete, entendesse as razões dos grevistas, não titubeou em agir com firmeza, a partir da conclusão de que as corporações armadas não fazem greve, e, sim, se sublevam contra a República.
O Presidente determinou ao Exército que dissolvesse a mobilização dos grevistas, na sede da Polícia Federal e, a fim de não alarmar a população, ordenou que a operação se fizesse à meia-noite.
Não cabe discutir se o governador Jacques Wagner agiu de uma forma, quando estava na oposição, ao apoiar movimento semelhante, e age de outra, agora. Um erro anterior, motivado pela conveniência partidária eventual, não pode impedi-lo de exigir agora o cumprimento da lei, em favor da ordem. A greve dos policiais trouxe o aumento da violência contra os cidadãos, conforme o registro dos atos delituosos dos últimos dias.
Os policiais militares baianos não se encontram em greve, mas em rebelião contra o Estado e, por extensão, contra a República, cuja Constituição os obriga a manter a lei e a ordem. Registre-se que o líder do movimento é um ex-militar e que, portanto, não tem legitimidade para chefia-lo. Como se encontram em rebelião, cabe ao Estado, no uso moderado de sua força e seu poder, exigir-lhes rendição imediata e usar dos dispositivos legais para punir os responsáveis pelo movimento.
Essa providência é absolutamente necessária, quando se sabe que movimentos semelhantes estão sendo articulados em outros Estados, a fim de obrigar à equiparação dos vencimentos dos policiais militares de todo o país aos dos seus colegas do Distrito Federal. Ora, cada estado fixa o vencimento de seus servidores conforme a sua receita tributária. Há informações de que se planeja uma greve de policiais militares e civis – incluindo o Corpo de Bombeiros – em São Paulo, para o dia 18 deste mês. Qualquer leniência na Bahia poderá significar incentivo a uma gravíssima perturbação da tranqüilidade pública no resto do país.
Isso não impede que os policiais militares, usando dos meios legais, façam reivindicações aos seus superiores, a fim de que estes, como delegados dos governos, as levem às autoridades. Reivindicar remuneração maior e melhores condições de trabalho, por meios legítimos, é um direito inalienável de todos, mas o direito de greve é constitucionalmente restrito.
Fora disso, qualquer movimento de greve, por servidores armados, como ocorre agora na Bahia, não passa de insurreição, que deve ser contida, sem hesitações.
* Pescado aqui, no Conversa Afiada.
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