* Helena Sthephanowitz
Os policiais são trabalhadores muitas vezes discriminados e sofrem preconceitos, é verdade. Seu trabalho aparece mais quando há notícia negativa, como repressão a movimentos sociais, abuso de autoridade, envolvimento com corrupção, uma operação desanda etc.
Algumas vezes destacam-se em atos de heroísmo e operações bem sucedidas. Mas há milhares de ocorrências cotidianas, quando o policial intervém para defender a integridade do cidadão mais fraco diante de uma violência do mais forte. E isso pouco aparece. Há também o trabalho de dissuasão da criminalidade, que leva à diminuição e até à ausência de crimes, e aí então, o trabalho do policial muitas vezes fica "invisível".
Por isso é justo que policiais ganhem melhor, e sejam cobrados para serem sempre uma polícia cidadã. Daí o movimento pela PEC-300 (piso salarial nacional) que, apesar de ser de difícil implementação imediata, devido à realidade orçamentária de cada estado, conta com a simpatia da população, e deveria caminhar para uma solução, ainda que gradual, dentro do Legislativo.
Mas aí começaram a pipocar pelo país movimentos de greve, sem sequer garantir um atendimento mínimo à população, deixando-a à mercê de vândalos e praticamente refém dos grevistas. E aquela simpatia popular transforma-se em antipatia, quando há atos de vandalismo e ameaças exigindo fechar o comércio, coisa que costumam ser feitas por bandidos, não por policiais.
Além disso, apesar de o salário do policial ainda ser baixo, em muitos estados é mais alto do que outras classes do funcionalismo, também importantes, como professores (que aliás costumam sofrer violenta repressão policial quando fazem greve).
Além deles, pequenos comerciantes, garçons, taxistas e toda sorte de profissionais autônomos são prejudicados por uma greve como a da PM baiana, com a queda do movimento justamente na hora de ganhar um dinheiro extra com a proximidade do carnaval.
E isso tudo contribui para retirar apoio popular às causas dos policiais.
Havia alguns pactos sociais em curso, como a campanha do desarmamento da população civil, deixando o monopólio da segurança armada com a polícia. De repente, se a polícia pode resolver entrar em greve a qualquer momento e por tempo indeterminado, está dando o recado que é o cidadão quem tem que 'se virar'. Logo, presume-se que haverá comerciantes e cidadãos buscando obter armas, para se defender das consequências de uma greve de policiais. E a gente sabe que mais armas circulando, são mais armas que caem na mão de bandidos e que também matam policiais em confrontos.
Enfim, a discussão que estava, bem ou mal, encaminhada sobre a PEC-300 no Congresso, ainda que viesse a receber ajustes, já foi desviada para coisas como a extinção da Polícia Militar, unificação das polícias, regulamentação do direito de greve de policiais etc., fazendo a PEC-300 "subir no telhado".
E o resultado pode ser o próprio desmantelamento da Polícia Militar, com conseqüências como:
- Extinção de oficiais: qual o sentido de existir um plano de carreira de oficiais na Polícia Militar, se uma greve não obedece a hierarquia e a cadeia de comando? Assim, bastaria uma polícia apenas com soldados, e os cargos de chefia seriam nomeados entre os soldados ou por comandantes vindos de fora dos quadros, semelhante às guardas municipais.
- Enxugamento: é justo pleitear aumentos reais, mas se a exigência for além da capacidade de pagamento do Estado, a única saída possível para os governos será a lógica perversa, ou seja, manter apenas as tropas de elite numa polícia bem paga e cortar custos com o resto. A própria greve ilegal dá motivos para demissões, através da ...
- Privatização (!): transferindo os soldados menos qualificados para empresas privadas terceirizadas de vigilância, nas quais o emprego é mais precário e os salários são mais baixos.
Assim, o sistema de segurança pública, como um todo, para se prevenir ante a possibilidade de os policiais fazeemr esse tipo greve, acabaria sendo obrigado a aumentar tropas federais e da Força Nacional de Segurança disponíveis, e reduzir o contingente da polícia militar em cada estado, mantendo só as tropas especiais e de elite. O resto do contingente acabaria sendo terceirizada.
Como se vê, as escolhas que os atuais grevistas estão fazendo, ainda que possam trazer a ilusão de ganhos imediatos, é um péssimo caminho para a carreira policial, o que também não é bom para toda a sociedade. É preciso manter a corda esticada, mas cuidado para não arrebentar...
* Por: Helena Sthephanowitz, via Rede Brasil Atual
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