quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Morte, Severino, Terra ...


“Morte e Vida Severina” não sai da minha cabeça nos últimos dias. Quando era adolescente, decorei esses versos. Alguns trechos eu sabia até de cor e salteado.

O poema do João Cabral de Melo Neto, que é um Auto de Natal, próprio para o teatro, narra a história de um retirante, que se chama Severino, mesmo nome de outros tantos, que como ele emigram fugindo da seca e da miséria.

Severino Retirante encontra a morte por toda parte, na sua andança. Em um trecho do caminho, depara-se com dois homens carregando um defunto em uma rede. Trava com eles um triste diálogo:

— A quem estais carregando, irmãos das almas,
embrulhado nessa rede? dizei que eu saiba.

— A um defunto de nada, irmão das almas,
que há muitas horas viaja à sua morada.

— E sabeis quem era ele, irmãos das almas,
sabeis como ele se chama ou se chamava?

— Severino Lavrador, irmão das almas,
Severino Lavrador, mas agora já não lavra.

(...)

— E foi morrida essa morte, irmãos das almas,
essa foi morte morrida ou foi matada?

— Até que não foi morrida, irmão das almas,
esta foi morte matada, numa emboscada.

— E o que guardava a emboscada, irmão das almas,
e com que foi que o mataram,com faca ou bala?

— Este foi morto de bala, irmão das almas,
mais garantido é de bala, que mais longe vara.

— E quem foi que o emboscou, irmãos das almas,
quem contra ele soltou essa ave-bala?

— Ali é difícil dizer, irmão das almas,
sempre há uma bala voando desocupada.

— E o que havia ele feito, irmãos das almas,
e o que havia ele feito contra a tal pássara?

— Ter um hectare de terra, irmão das almas,
de pedra e areia lavada que cultivava.

— Mas que roças que ele tinha, irmãos das almas,
que podia ele plantar na pedra avara?

— Nos magros lábios de areia, irmão das almas,
os intervalos das pedras, plantava palha.

— E era grande sua lavoura, irmãos das almas,
lavoura de muitas covas, tão cobiçada?

— Tinha somente dez quadros, irmão das almas,
todas nos ombros da serra, nenhuma várzea.

— Mas então por que o mataram, irmãos das almas,
mas então por que o mataram com espingarda?

— Queria mais espalhar-se, irmão das almas,
queria voar mais livre essa ave-bala.

— E agora o que passará, irmãos das almas,
o que é que acontecerá contra a espingarda?

— Mais campo tem para soltar, irmão das almas,
tem mais onde fazer voar as filhas-bala.

Mas adiante, Severino observa o enterro de um trabalhador morto, e ouve o cântigo de seus amigos:

... Essa cova em que estás, com palmos medida,
é a cota menor que tiraste em vida.

— É de bom tamanho, nem largo nem fundo,
é a parte que te cabe deste latifúndio.

— Não é cova grande, é cova medida,
é a terra que querias ver dividida
..."

Para leitura de todo o Auto, clique aqui. Vale a pena também procurar no You Tube a parte do enterro, cantada pela Elba Ramalho, em um especial para a televisão da década de 1980.

O poema não termina com morte. Termina com vida. Com Severino testemunhando o nascimento de uma nova vida Severina, em uma miserável favela de Recife. Porque a luta continua.


4 comentários:

  1. Quanto "Morte e Vida Severina" deixará de ser atual?

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  2. E a merda é que o Lula fica nesse ata-e-desata, acendendo uma vela para Deus e outra para o Diabo. Essa dos índices é fantástica. Os índíces para medir a produtividade são de 1975, mas o Cassel tem que negociar um índice aceitável pelo Stepahnes.

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  3. Pois é, esse é o risco inerente à participação, se estvesse no lote produzindo porvavelmente estaria vivo. Pelo que ouvi falar ele ja era assentado e estava participando do movimento para fazer número, deu no que deu, lamentável. Que tal dar uma olhada neste artigo? http://www.imil.org.br/artigos/os-%e2%80%9cmovimentos-sociais%e2%80%9d-e-a-violencia/

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  4. Oi, José Renato.
    Tchê, dei uma passada por umas pendências de resposta no meu blog e cheguei a um pedido teu pra usar um texto que fiz. Olha só, eu trabalho com a licença Creative Commons, então sempre que tu quiser podes pegar material que publicamos e usar à vontade - é só citar a fonte. Não precisa pedir permissão, ok?
    E teu blog já está lá na minha lista.
    Abração!

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