“Morte e Vida Severina” não sai da minha cabeça nos últimos dias. Quando era adolescente, decorei esses versos. Alguns trechos eu sabia até de cor e salteado.
O poema do João Cabral de Melo Neto, que é um Auto de Natal, próprio para o teatro, narra a história de um retirante, que se chama Severino, mesmo nome de outros tantos, que como ele emigram fugindo da seca e da miséria.
Severino Retirante encontra a morte por toda parte, na sua andança. Em um trecho do caminho, depara-se com dois homens carregando um defunto em uma rede. Trava com eles um triste diálogo:
“— A quem estais carregando, irmãos das almas,
embrulhado nessa rede? dizei que eu saiba.
embrulhado nessa rede? dizei que eu saiba.
— A um defunto de nada, irmão das almas,
que há muitas horas viaja à sua morada.
que há muitas horas viaja à sua morada.
— E sabeis quem era ele, irmãos das almas,
sabeis como ele se chama ou se chamava?
sabeis como ele se chama ou se chamava?
— Severino Lavrador, irmão das almas,
Severino Lavrador, mas agora já não lavra.
Severino Lavrador, mas agora já não lavra.
(...)
— E foi morrida essa morte, irmãos das almas,
essa foi morte morrida ou foi matada?
essa foi morte morrida ou foi matada?
— Até que não foi morrida, irmão das almas,
esta foi morte matada, numa emboscada.
esta foi morte matada, numa emboscada.
— E o que guardava a emboscada, irmão das almas,
e com que foi que o mataram,com faca ou bala?
e com que foi que o mataram,com faca ou bala?
— Este foi morto de bala, irmão das almas,
mais garantido é de bala, que mais longe vara.
mais garantido é de bala, que mais longe vara.
— E quem foi que o emboscou, irmãos das almas,
quem contra ele soltou essa ave-bala?
quem contra ele soltou essa ave-bala?
— Ali é difícil dizer, irmão das almas,
sempre há uma bala voando desocupada.
sempre há uma bala voando desocupada.
— E o que havia ele feito, irmãos das almas,
e o que havia ele feito contra a tal pássara?
e o que havia ele feito contra a tal pássara?
— Ter um hectare de terra, irmão das almas,
de pedra e areia lavada que cultivava.
de pedra e areia lavada que cultivava.
— Mas que roças que ele tinha, irmãos das almas,
que podia ele plantar na pedra avara?
que podia ele plantar na pedra avara?
— Nos magros lábios de areia, irmão das almas,
os intervalos das pedras, plantava palha.
os intervalos das pedras, plantava palha.
— E era grande sua lavoura, irmãos das almas,
lavoura de muitas covas, tão cobiçada?
lavoura de muitas covas, tão cobiçada?
— Tinha somente dez quadros, irmão das almas,
todas nos ombros da serra, nenhuma várzea.
todas nos ombros da serra, nenhuma várzea.
— Mas então por que o mataram, irmãos das almas,
mas então por que o mataram com espingarda?
mas então por que o mataram com espingarda?
— Queria mais espalhar-se, irmão das almas,
queria voar mais livre essa ave-bala.
queria voar mais livre essa ave-bala.
— E agora o que passará, irmãos das almas,
o que é que acontecerá contra a espingarda?
o que é que acontecerá contra a espingarda?
— Mais campo tem para soltar, irmão das almas,
tem mais onde fazer voar as filhas-bala.”
tem mais onde fazer voar as filhas-bala.”
Mas adiante, Severino observa o enterro de um trabalhador morto, e ouve o cântigo de seus amigos:
“... Essa cova em que estás, com palmos medida,
é a cota menor que tiraste em vida.
— É de bom tamanho, nem largo nem fundo,
é a parte que te cabe deste latifúndio.
é a parte que te cabe deste latifúndio.
— Não é cova grande, é cova medida,
é a terra que querias ver dividida ..."
Para leitura de todo o Auto, clique aqui. Vale a pena também procurar no You Tube a parte do enterro, cantada pela Elba Ramalho, em um especial para a televisão da década de 1980.
O poema não termina com morte. Termina com vida. Com Severino testemunhando o nascimento de uma nova vida Severina, em uma miserável favela de Recife. Porque a luta continua.
é a terra que querias ver dividida ..."
Para leitura de todo o Auto, clique aqui. Vale a pena também procurar no You Tube a parte do enterro, cantada pela Elba Ramalho, em um especial para a televisão da década de 1980.
O poema não termina com morte. Termina com vida. Com Severino testemunhando o nascimento de uma nova vida Severina, em uma miserável favela de Recife. Porque a luta continua.
Quanto "Morte e Vida Severina" deixará de ser atual?
ResponderExcluirE a merda é que o Lula fica nesse ata-e-desata, acendendo uma vela para Deus e outra para o Diabo. Essa dos índices é fantástica. Os índíces para medir a produtividade são de 1975, mas o Cassel tem que negociar um índice aceitável pelo Stepahnes.
ResponderExcluirPois é, esse é o risco inerente à participação, se estvesse no lote produzindo porvavelmente estaria vivo. Pelo que ouvi falar ele ja era assentado e estava participando do movimento para fazer número, deu no que deu, lamentável. Que tal dar uma olhada neste artigo? http://www.imil.org.br/artigos/os-%e2%80%9cmovimentos-sociais%e2%80%9d-e-a-violencia/
ResponderExcluirOi, José Renato.
ResponderExcluirTchê, dei uma passada por umas pendências de resposta no meu blog e cheguei a um pedido teu pra usar um texto que fiz. Olha só, eu trabalho com a licença Creative Commons, então sempre que tu quiser podes pegar material que publicamos e usar à vontade - é só citar a fonte. Não precisa pedir permissão, ok?
E teu blog já está lá na minha lista.
Abração!