Durante nove bons anos da minha vida, trabalhei na Caixa Federal, sempre na Agência Paineira, na Rua Siqueira Campos, Centro de Porto Alegre, no lugar onde hoje há um grande Cartório.
Essa agência, que na minha época já havia sido "fundida" com outra unidade próxima, a Agência Uruguai, foi depois transferida para a Rua da Praia, por volta do ano 2000, recebendo o nome de Agência Lupicínio Rodrigues.
Na época, sob comando das administrações neo-liberais, era comum fecharem unidades, e diminuir cada vez mais a empresa. Isso ocorreu não só com a Caixa mas com todas as outras estatais. Muitos colegas que não se enquadravam com os novos métodos foram, inclusive, forçados a aderir aos famigerados PADV (Plano de Aposentadoria ou Demissão Voluntária).
Acho que entrei na Agência Lupicínio somente uma vez, seis ou sete anos atrás, sentindo um misto de nostalgia e tristeza, por ter perdido o vínculo com os colegas, que fizeram parte importante da minha vida. E também, não escondo, o vínculo com a Caixa. Encontrei lá uns poucos contemporâneos, os outros haviam se aposentado, ou foram transferidos. Sinto falta daquele povo, que nunca deixou de fechar a agência, nas muitas greves do período Collor-FHC.
Entrei na Caixa em 1989, ocasião em que Collor e Lula disputavam a Presidência da República, uma das fases mais bonitas da minha militância. Estava filiado ao PCdoB, e logo me juntei com outos camaradas na célula bancária, com atividades no Sindicato e na APCEF/RS. Para nosso azar, e do Brasil, o Lula perdeu, e os governos, a partir daí e até 2003, dedicaram-se ao desmonte da estrutura, para tirar o Estado do sistema financeiro, e favorecer os grandes bancos multinacionais.
Agora, a Caixa é uma locomotiva, que ajuda o país a andar. Esse é um dos motivos pelos quais não concordo com as críticas de que o Governo Lula favorece os banqueiros. Só a recuperação do protagonismo do Banco do Brasil e da CEF, no sistema financeiro, desmonta por completo essa tese. É certo que os banqueiros continuam ganhando, e muito, mas o fortalecimento dessas duas instituições (sem falar do BNDES), que os críticos superficiais não percebem, é algo nunca antes visto na história do país.
Para quem já esqueceu dos tempos difíceis do liberal-tucanismo, eu lembro: as caixas estaduais foram primeiro inviabilizadas, e depois fechadas. Os bancos estaduais foram sumariamente fechados, ou privatizados a preço de banana. No Brasil inteiro, escapou apenas o Banrisul, e somente graças à eleição do Olívio, em 1998. Se o Britto houvesse sido reeleito, não haveria mais Banrisul.
A Petrobrás teve grande parcela de suas ações vendidas, em uma privatização disfarçada. A Vale do Rio Doce foi doada por 3,3 bilhões de dólares, quando valia 92,6 bilhões de dólares. A Caixa e o Banco do Brasil estavam na lista de extermínio dos tucanos.
Nós, funcionários da Caixa, fazíamos um imenso movimento, muitas vezes incompreendido pela população, contra a privatização e sucateamento da empresa.
"A Caixa é do Povo", era o mote da nossa luta, que ultrapassava o economicismo, não se restringindo aos percentuais do dissídio, e fazia a defesa da empresa, como um importante instrumento de intervenção do Estado na economia. Se os bancários não tivessem batalhado tanto naqueles, e prevalecesse a vontade dos governantes, a Caixa talvez não existisse mais.
Perdi a conta das vezes em que acampamos na Rua dos Andradas, 1000, passando chuva e frio, com a garganta estourada, contra um governo entreguista e truculento. Uma vez chegamos a 21 dias de greve, e o desconto dos dias parados nos arrebentou. Mas não cedemos, e conseguimos a readmissão de mais de 800 colegas que o Collor havia demitido.
Soube que a greve da CEF, mês passado, ultrapassou nosso “recorde” de dias parados. Coitados. Me solidarizo ao movimento. Mas são outros tempos, outra pauta, outro governo, e até o movimento sindical é diferente. Isso é natural. Foi diferente da geração do Lula e do Olívio (luta contra a ditadura) para a nossa (luta contra as privatizações), e forçosamente, há de ser diferente para a geração atual.
Então, hoje, quando a gente vê especialistas dizendo o Brasil passou pela crise mundial como se surfasse numa marolinha, entre outros fatores, por ainda possuir a Caixa e o Banco do Brasil preservados, fortalecidos e estatais, o que possibilitou ao governo bancar políticas públicas anticrise (agricultura, exportações, construção civil, etc.), que mantiveram a economia aquecida, evitando a recessão, dá para concluir que a luta foi importante.
É muito bom ver a história confirmar que estávamos do lado correto daquela barricada. Afinal, hoje a Caixa é mesmo do povo.
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