segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Dois minutos de ódio

Eu não gosto muito do George Orwell. Até concordo que a "Revolução dos Bichos" é um livro genial, mas nunca me caiu muito bem. O mesmo eu sinto com relação a "1984", sua outra obra consagrada, que para mim fica nos chinelos de "Admirável Mundo Novo". Mas enfim, gosto é gosto, dizia uma velha lambendo sabão ...

O que não me apetece é que as duas obras tem um "quê" de "não adianta". "Não adianta", no caso, os bichinhos fazerem sua revolução, pois no final irão apenas substituir uma ditadura por outra. E também "não adianta" pensar de forma discordante ao "Grande Irmão", pois no final, retorna-se à origem.

E se "não adianta" , para que nos movimentarmos? Não seria melhor economizar a energia, relaxar e gozar, do que passar por todos os sacrifícios para enfrentar o totalitarismo, e no final, chegar no mesmo ponto de partida? Acho que a intenção do autor não era passar essa mensagem, mas é isso que eu leio.

Eu tenho certeza que os jovens que foram para o Araguaia, por exemplo, entendiam que "adiantava". Da mesma maneira, o povo do Marighela, Lamarca, e outros tantos, acreditavam que "adiantava" ir às últimas consequências contra a ditadura. E, efetivamente, "adiantou". Eu também acredito que a luta sempre "adianta", e que o ponto de chegada nunca será o mesmo da partida.

Mas voltando a "1984", tem uma passagem interessante nesse livro, bem relacionada com nossos dias, na qual o personagem Winston Smith relata uma sessão de "Dois Minutos de Ódio", um evento diário em que os cidadãos se reuniam diante de uma tela, na qual era projetado um "clip", cuja mensagem era ao mesmo tempo uma louvação ao "Grande Irmão" e um reforço no ódio aos inimigos, personificados na figura de Emanuel Goldstein, o "Inimigo do Povo".

Os cidadãos assistiam o clip, e mesmo o Smith, que andava ideologicamente meio balançado, não resistia e terminava a sessão, assim como os outros, gritando e gesticulando, em um frenesi de ódio, contra o inimigo do regime.

É certo que a grande imprensa burguesa sempre usou e abusou de outra prática, inspirada na máxima nazista, de que uma mentira contada mil vezes se transforma em uma verdade. Mas atualmente a prática dos minutos de ódio também tem sido utilizada em larga escala.

O noticiário de rádio e televisão daquele grupo, adequadamente apelidado de PIG - Partido da Imprensa Golpista (Organizações Globo, Estadão, Folha de São Paulo, RBS, Veja), elegeu alguns "inimigos do sistema", que na verdade são opositores a seus interesses econômicos, e trabalha sistematicamente, um dia sim, o outro também, para demonizá-los.

O alvo predileto desse ódio trabalhado é, disparado, o MST, pelo seu potencial como vetor da luta de classes. O movimento tem absolutamente todas as suas iniciativas noticiadas com uma formatação destinada a obter rejeição popular, não só ao movimento, mas à própria reforma agrária. O exemplo recente de como a mídia tratou o episódio da Cutrale é exemplar, nesse sentido. E é raro o dia em que não apareçam, senão dois minutos, pelo menos 30 segundos no Jornal Nacional, depreciativos ao movimento. Como resultado disso, não se pode estranhar que muitas pessoas pobres, que só possuem terra embaixo das unhas, odeiem os "sem-terra".

Mas há outros inimigos eleitos. Um deles visita o Brasil, atualmente. O Presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, não passa um dia sem levar uma sarrafada da grande mídia. Antes eram os Aiatolás os demônios, agora é o Presidente daquele país, e não sejamos ingênuos a ponto de acreditar que é pela "fraude eleitoral", pelo fundamentalismo religioso, misogenia, homofobia, violação dos direitos humanos, etc., porque isso muitos outros países praticam. É porque, bem ou mail, o Irã se opõe ao imperialismo americano no Oriente Médio.

Com o Fidel, é a mesma coisa. E o Hugo Chávez, o Evo Morales, o Rafael Correa, o Fernando Lugo, também estão nessa lista do ódio trabalhado. O rol dos inimigos do regime.

Agora, esse canhão ideológico volta-se sistematicamente contra Tarso Genro, especialmente por parte da fração gaudéria do PIG, interessada em desconstituí-lo como candidato ao Governo do Estado, e manter o status quo. É fácil notar que, de um ano para cá, o Tarso já foi demônio por várias coisas. Agora é pelo "Caso Batisti", e daqui um mês será por outra coisa.

Em nível nacional, durante anos, o inimigo do regime, o demonizado de plantão, foi o Lula. Logo, logo, vai ser a Dilma. O Lula passou por cima, mas demorou vinte anos, e teve que adernar à direita. Já a Dilma ... bom, a Dilma, sei lá.

E o "Grande Irmão", o endeusado, o beneficiado pela propaganda? Bueno, tanto em nível estadual como nacional, para mim é o tal de "mercado". Ah, e seus lacaios, o FHC, o Serra, o Aécio, a Yeda, o Fogaça ...
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Um comentário:

  1. Prezado José Renato:

    Pessoalmente não aprecio muito o Ahmadinejad. Homófobo, concetrador de poder, fanático religioso, desrespeitador dos direitos feministas, anti-semitista, perseguidor político e seguem suas "qualidades".

    Mas entendo a política externa do Lula, que quer promover a paz e superar ranços culturais históricos (é conversando que a gente se entende, não mandando mísseis), além de alçar o Brasil ao patamar de personagem internacional.

    Agora, inaceitável o comportamento do PIG. Diz que o presidente eleito do Irã é um ditador e, contraditoriamente, chama o ditador Micheletti (Honduras) de presidente de facto.

    Assim não dá para aturar a grande mídia empresarial...

    Sobre o caso Battisti, escrevi o seguinte:

    http://bakalarczyk.blogspot.com/2009/11/falacia-juridica-no-julgamento-de.html

    http://bakalarczyk.blogspot.com/2009/09/extradicao-de-battisti-mudanca-de_08.html

    Um abraço, Charles

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