sexta-feira, 13 de novembro de 2009

O que pensam os profissionais da segurança pública

A Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça realizou, recentemente, a pesquisa "O que pensam os profissionais da segurança pública, no Brasil", através do exame de questionários respondidos nos meses de abril e maio de 2009.

Os questionários foram respondidos de forma virtual, por 64.130 alunos de cursos on-line mantidos pelo Ministério, todos eles profissionais da área da segurança pública, como policiais, agentes penitenciários, perito e guardas municipais de todo o país.

O que eu considero valioso nessa iniciativa, além da expressiva amostra, é a maneira com que a pesquisa foi realizada, que subverte a prática de buscar "porta-vozes", com o questionário sendo respondido de forma individual, não-identificada e voluntária. Isso possibilitou que os trabalhadores da área "falassem" diretamente, através da pesquisa, sem a intermediação de representantes de qualquer natureza, e sem a inibição de eventual monitoramento da resposta pelos "escalões superiores". A pesquisa revela, portanto, o exato pensamento de quem trabalha na área da segurança, sobre as questões apresentadas.

O trabalho está dividido em alguns tópicos:

I - O que pensam os profissionais da segurança pública sobre suas instituições diante das mudanças.

II - Experiências de vitimização (situações em que os trabalhadores da área foram vítimas de tortura, racismo, discriminação pela função, humilhação e desrespeito nas corporações, acusações injustas e com direito de defesa negado ou cerceado, assédio sexual e discriminação pelo gênero, discriminação por convicção política).

III - Perfil e formação (mulheres na segurança pública, cor da pele, o segundo emprego, vida profissional, social e familiar, se pudessem escolher de novo ..., satisfação e futuro, formação, cursos que vêm se firmando na formação).

IV - Opiniões sobre outras questões relevantes.

O resultado está disponível no site do Ministério da Justiça, AQUI, sob duas formas, disponíveis para download: "Sumário Executivo" (11 páginas) e "Relatório" (mais de cem páginas). Eu baixei os dois, mas comento aqui o menorzinho.

Esse é um documento que vale a pena ser lido, mesmo por quem não é da área, mas tem interesse em entender o funcionamento dos órgãos da segurança pública, expostos ali pela visão dos trabalhadores da área.

A pesquisa foi organizada por Luiz Eduardo Soares, Marcos Rolim e Silvia Ramos, o que, no meu entendimento, empresta credibilidade, em termos de seriedade científica, à coleta, ordenamento e apresentação dos dados.

Já a interpretação dos dados é de quem os lê. Eu faço uma leitura ligeiramente diferente da que os autores do trabalho veicularam.

Senti, por exemplo, um direcionamento, certamente não intencional, na interpretação dos pesquisadores, quanto ao elevado percentual de policiais militares que indicaram ter preferência pela unificação (entre Polícias Militares e Polícias Civis), contanto que seja em uma organização civil, desmilitarizada. Para mim, o desejo de serem civis sempre foi claro, exceto para os oficiais.

Mas os autores do trabalho manifestaram um estranho porém, não escudado nos dados coletados, de que esse poderia ser um viés da não-apresentação uma opção de unificação sob forma de uma polícia militar, mas com outro tipo de "militarismo", que partiria do pressuposto de respeito aos direitos humanos, e respeito nas relações hierárquicas. E que os policiais militares manifestaram na pesquisa uma rejeição à "variante conhecida e experimentada entre nós do formato militar", mas que aceitariam outra variante militar, mais "civilizada". Ou mais ou menos isso.

Eu posso estar enganado, mas não encontrei nada na pesquisa que ampare essa conclusão. Ademais, é um raciocínio por demais ingênuo, achar que basta querer para construir no Brasil essa outra variante de "militarismo".

Aqui, e no resto do continente americano, milico é milico, e os recrutas são adestrados para odiar o inimigo, através de extremas provações e humilhações no treinamento. Não é por outra razão que mais de 20% dos policiais militares revelaram na pesquisa terem sido vítimas de tortura (no treinamento, se entendi bem).

Na prática, construir esse “outro militarismo” demandaria o tempo de passagem de duas ou três gerações de policiais militares. Vinte e cinco ou trinta anos. Mas as duas demandas, a desmilitarização do policiamento ostensivo, e a unificação das polícias estaduais, são urgentes.

Eu convivo há dez anos com policiais militares no dia a dia, mantendo em meu serviço uma ótima relação com os brigadianos. Isso me permitiu ouvir, dezenas de vezes, de praças ou sargentos, a opinião de que as polícias devem ser unificadas sim, e sob uma forma não-militar.

A única ressalva que fazem, e que certamente influenciou também no "voto" dos que optam pela unificação sob forma de uma polícia única militar, são as grandes vantagens funcionais que os policiais militares possuem em relação aos civis. Esse foi um fator não percebido pelos pesquisadores.

Como exemplo de direitos que perderiam, mas que poderiam perfeitamente ser mantidos em uma desmilitarização bem trabalhada, temos o tempo para aposentadoria. O policial militar consegue se aposentar, na regra militar, aos 45-48 anos, enquanto o policial civil – pelo menos o gaúcho – vira Matusalém trabalhando dentro das Delegacias. Não que queiram, mas simplesmente não conseguem se aposentar, mesmo com mais de trinta anos de serviço.

Outro exemplo de vantagem em ser militar, não-sabido por muitos, é o agora revelado índice de contribuição previdenciária dos Brigadianos, de 7,9% (que a Governadora quer agora elevar para 11), enquanto os policiais civis recolhem 11% para o IPE.

Se a desmilitarização do policiamento ostensivo fosse proposta, na pesquisa, com o rígido respeito aos direitos adquiridos (tempo para aposentadoria, etc.), tenho a forte impressão de que noventa por cento dos policiais militares iria preferir essa opção.

De qualquer forma, como já disse, a pesquisa é riquíssima, e realizada por pessoas de grande conhecimento e credibilidade. Não deixem de acessar, e pensar acerca das lições trazidas por esse magnífico trabalho. 
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